quinta-feira, dezembro 16

quando a mão vomita lápis

Não importa a dor. Continua arrancando a pele em volta de suas unhas. Ela prefere saber como é a dor, sentir sua afiada fisgada, o ápice da pele sendo rasgada, a cor rosada da pele nova, o sangue que vai surgindo aos poucos, as manchas brancas (queumdiaumaamigadisseserdesnutrição) e quando tocava nos objetos, para saber (sósaber) como é o tato de tudo, e em seguida o cheiro, lera em algum lugar que a mania do toque representa desejo sexual reprimido, não reprimido em um sentido ruim, mas muito desejo contido, não em exageri, nem preso, apenas muito para aflorar. Se ao menos conseguisse se lembrar onde lera ou ouvira as coisas, um início seria diferenciar o que ouvia do que lia, mas só isso já era difícil. Preferia contar quantas linhas tinha seu caderno ou em quantos minutos comia uma maçã, nada como números, desde que simétricos. Parece que foi ONTEM que escrevera incontáveis 'ontem' com azul de cera na cartolina branca. Voltava a escolher a maior unha dos cinco da esquerda para limpar as da direita. Depois repetia com a maior da direita e tentava, em vão, limpar as da esquerda. A sujeira a incomodava, mas de tanto quebrar e lascar, várias camadas de unha, logo, várias camadas de sujeira. Gostava que acendessem seus cigarros, já um tempo pendurados em sua boca. Mesmo depois de acesos permaneciam em repouso entre os lábios apertados, até que os tirava e os lábios sempre reclamavam, um reclamo gostoso de ir contra. A unha no lápis girando, unha na madeira, de vez em quando, de quando em vez, o tato tem som.

quando o telefone

Quando desliguei o telefone vi que tudo continuaria igual, exatamente igual a antes de atendê-lo. Os doze minutos e trinta e sete segundos que se passaram foram uma dimensão diferente da qual ambos estavam em suas respectivas localizações no mundo. Eu ainda cheirava a hidratante, lá fora ainda chovia, Chopin ainda me entristecia. Só não sei se agora menos ou mais. Mas tudo permanecia. Menos você.

quinta-feira, dezembro 2

borboleteamento (de dispersão, girando em torno, mas muitas vezes de longe)

sorrindo para si mesma
cheia de descobertas e
mentiras adoráveis

e o vampiro de düsseldorf
me sorri e
me abraça mas
não me

tenho vontade e dúvida
vou descobrir
você

"no fim,
é sempre a mesma pergunta
o que é para mim?"

encaixes e contrastes #2

- Como é mesmo a frase do Bergson? "Existir é mudar..."
- Calma, to lembrando.
A Maisnova se esforça.
- Vou na cozinha olhar - diz a Maisvelha.
A Maisnova continua na mesma posição. Lembra! Diz.
- "Existir é mudar. Mudar é amadurecer. Amadurecer é criar a si mesmo, até o fim."
Ao mesmo tempo na cozinha a Maisvelha acompanha com os olhos sorrindo e pensando será que ela vai conseguir?