domingo, setembro 28

Sex and The City Without Sex.

O que fazer quando um dos seus melhores amigos te chama para ir ao cinema ver um filme que, cá entre nós, não te interessa muito?
Dizer sim é claro.
Primeiramente, Sex and The City não era uma opção tão repugnante a ponto de negar o convite de meu amigo. Os casos e descasos das quatro amigas em New York sempre me interessaram na tevê. Por que o filme seria o contrário? Talvez por muito provavelmente ter todos os clichês que a série deixava de fora, ter um final previsível e ter um amigo do lado que já vira o filme duas vezes.

Combinamos de nos encontrar em botafogo, minha idéia era ver o filme no bairro mesmo, afinal estávamos lá. Mas ele insistiu porque insistiu em ver no Largo do Machado, a sessão era mais cedo e ele não podia chegar muito tarde em casa. OK, por que não? Fazia algumas semanas que não andava por aquelas bandas.
No ponto de ônibus, esperando e esperando, já meio preocupada com o horário do filme, passa um ônibus que seguiria um caminho diferente, porém não mais demorado. Apenas nos deixaria a alguns 30 passos do cinema.
- Ah não, os outros deixam na porta!
- São só alguns passos cara! Dá no mesmo, melhor do que esperar os outros.
Eu, crente que meu amigo me seguiria na tristeza e na felicidade, subi no ônibus. Olho pra trás e lá está meu amigo dizendo que não ia subir, que não era o ônibus certo e blá.
Confesso que ri da situação. Não sabia se pensava se ele era um idiota em não me seguir ou se eu era a idiota em não descer.
Enfim, um tempo depois ele me liga perguntando onde estava. Eu, já dando meus trinta passos, disse que estava chegando. Ele disse o mesmo. Ao chegar fui direto comprar os ingressos, e para minha extraordinária surpresa vejo que o filme não está passando lá. Eu não sabia se ria ou chorava, já estava ficando nervosa. Ver Sex and The City no cinema não deveria ser tão complicado.
Ao me encontrar com ele e contar o ocorrido não acreditou em mim e foi conferir. Eu não subiria aquelas escadas de novo nem que me pagassem! Pra ver um filme que eu já não tinha muito vontade e mais! Um filme que não passava lá.
Ao descer ele fez uma piadinha que não queria mais ver o filme ali. Achei o momento mais que apropriado e disse:
- Você não é meu amigo. Você não confia em mim. Eu disse primeiro pra gente ver lá em botafogo, já que já estávamos lá. Aí você não confia que o ônibus dava, era só andar um pouco. Deu uma de riquinho e quis pegar outro que deixava na porta, assim não dá.
Resolvemos voltar pra botafogo com unanimidade. Chegamos lá, compramos os difíceis ingressos e ficamos esperando. Sim, ele é divertido. Afinal, é dos melhores amigos. Mas o pior ainda não tinha passado. Rindo das cantadas e olhares sórdidos que ele lançava pra lanterninha que pegaria nossos ingressos esperamos até o filme.
A sala abriu, entramos e sentamos. Parêntesis aqui, que raio de música é essa que toca no Cinemark enquanto esperamos o filme começar?! Cada coisa... O Arteplex além de passar filmes mais interessantes tinha umas músicas dos filmes de Chaplin, o que era bem melhor do que Jorge Vercilo e óperas com homens cantando com um quê de eletrônico no fundo.
Meu amigo, pertencente à sociedade, tirou seu ipod do bolso, ouvimos o que gostávamos em comum, que era bem pouco, e os trailers começaram.
Desde o início ele já estava reclamando que todas as pessoas vinham sentar perto da gente, eu assumi que tínhamos um ímã escondido em algum lugar e que era para ele se calar que o filme já ia começar. E como uma boa cinéfila, odeio quem fala durante o filme.
Passando os trailers e anúncios, que cá entre nós, há muito mais anúncios agora do que trailers no cinema, o que é um absurdo. Já basta a tevê para por em nossas cabeças que precisamos tomar Coca Cola e ir a tal restaurante. Enfim, acabando tais chatices ele disse: “Acho que vai começar, estou sentindo que vai começar.” Fiquei quieta, já era hora de se calar. Confesso que pensei se teria sido um erro ver o filme ao lado dele, já que já o havia visto duas vezes. Mas relaxei e comecei a ver as graças e desgraças de Carrie, Samantha, Miranda e Charlotte.
Sobre o filme: achei bom até. Podia ser bem pior, bem que a crítica estava boa. Sim, eu acreditava na crítica, sempre concordei. E já deixei de ver filmes pela crítica, minhas amigas sempre discordaram de mim dizendo que era um absurdo já que era a visão de outras pessoas. Mas a verdade mesmo é que elas não gostavam, pois sempre falavam mal dos filmes “água com açúcar” delas e bem dos meus dramas políticos policiais. O mais legal do filme são as roupas, saí de lá louca pra fazer comprar nas marcas citadas e claro, sentar com minhas selecionadas amigas e conversar sobre homens, quem sabe mais tarde.
Durante o filme: O primeiro ocorrido, foi ao mostrar uma cena razoavelmente quente de sexo. Meu amigo botou a mão no meu braço e rindo disse que uma velhinha próxima a ele estava com uma cara muito engraçada cobrindo o rosto para não ver a cena. Ele ria insistentemente me pedindo para olhar. Olhei, e dei uma risadinha educada. Depois da bela noiva com um vestido mais lindo ainda ser largada no altar, e a “cena triste que faz nossos corações doerem um pouco e nossas glândulas exócrinas lacrimais produzirem um pouco mais rápido seu produto”, o telefone dele se acendeu. Ele pegou e abriu, botou no ouvido e disse bem baixinho: estou no cinema, me liga depois. Quase morri. Se tem algo que eu odeio no cinema é o telefone tocar (estava no silencioso, mas a luz em si já incomoda) e mais ainda é a pessoa atender ao dito cujo! Não pode deixar tocar? Obviamente, para a minha sorte a pessoa do lado de lá não escutou uma palavra do que ele disse e teve que ligar de novo. Obviamente, para a minha sorte ele quis atender de novo, e obviamente, para a minha sorte ele começou a conversar com a pessoa, dizendo: “pode falar, eu já vi esse filme. Quero saber o que aconteceu...AAAAAHHH, SÉÉRIIIOOO? E agooora? Caraaamba!” Eu sem paciência, querendo matar meu amigo disse quase gritando: “Desliga essa porra agora” e fiquei repetindo insistentemente até ele desligar. O telefone parou de nos incomodar e ele parecia ter se ajeitado na poltrona. Estava eu curtindo o filme de novo quando de repente ele vira pra trás e começa a rir. Segura no meu braço de novo com toda a força e diz: “Cara, tem um monstro ali atrás, é sério, não to brincando, um monstro cara”. Eu já puta nem educada quis ser, não olhei e tirei meu braço dali. Continuei vendo o filme. Até que eu estava gostando, sabe. Não satisfeito com eu não ter dado bola na última interrupção, chega uma cena em que ele, já sabendo alguns diálogos de cor, resolve falar a fala antes dos atores, isso é outra coisa que odeio. Licença, eu ainda não vi o filme! Reclamei e ele pediu desculpas. Continuei o filme. Nas partes em que ficava implícita uma risadinha de fundo ele sempre ria. Eu, sinceramente, não entendia. Era a terceira vez que estava vendo o filme, como assim! Sex and The City era tão engraçado que uma mesma piada tinha a mesma graça três vezes?! Vai ver meu humor era muito sofisticado, vai ver eu era muito metida para rir de todas as piadas. Ele começou a reclamar que a velhinha próxima a ele não parava de rir. Ela ria da piada e ria do cachorrinho indo a porta receber o dono. É, devia ser irritante, odeio gente infeliz assim que resolver dar todas as risadas da semana num cinema. Mas vai ver ela era assim, e isso era triste. Mas ele não se importava com a amiga que estava ali tentando ver o filme mais puta impossível. Chegando ao fim o filme e eu tendo adivinhado boa parte das piadas antes delas acontecerem, não adivinhei de cara o fim. O que me deixou feliz, já que nesse tipo de filme eu sempre sei. O engraçado, é que o fim foi como é em todos, como eu sempre adivinho. Não sei por que acreditei que poderia ser diferente e não me senti mal em terminar como deveria terminar, achei legal o filme dar uma impressão diferente e no final acabar terminando bonitinho. De certa forma, era diferente dos outros, mas terminava igual. O negócio é: tal tipo de filme começa, você conhece os personagens e passa o filme inteiro sabendo que terminará de tal jeito. Assim que os problemas apareceram no filme eu pensei: “ta, vai acabar como sempre acaba, tudo feliz no final”, mas fui mudando de idéia, achando que não, poderia ser original e terminar diferente. Não terminou diferente, mas foi original por me fazer pensar isso. O que deixa o filme ser bom para todos. Para os que não agüentam esses clichês dos “água com açúcar” e para os que precisam ter um final feliz, se não o programa foi perdido.
Voltando ao amigo, a gota d’água, se é que já não estava na terceira gota, foi ao término do filme. Sabem quando a câmera vai subindo, as quatro amigas estão rindo, e começa a mostrar outras mulheres, e a locução de Carrie (como na série) vai chegando ao fim e você pensa: o filme acabou. Mas nunca sabemos ao certo. Dessa vez eu soube. Mas da pior maneira possível. Meu querido amigo, ao subir a câmera com Carrie ainda falando! Vira e diz: “pronto, acabou. Você quer ver os créditos?”
Ah, eu morri. Broxei. Simplesmente não acreditei. Já estava convencida de que não ia mais ao cinema com ele ver filme que ele já tinha visto e agora me convencia por completo de que não dava mais ir ver filme algum ao lado dele! Aí ele olhou pra minha cara e disse: “é sério, acabou. Eu já vi esse filme.” EU SEI QUE ACABOU, OBRIGADA. Juro que me deu vontade de ver os créditos até o fim, mas a voz irritante da Fergie não me deixava ficar na poltrona. Ele quis sair correndo e eu, com toda minha calma e raiva contida fui pegando minha mochila, vendo se alguém me ligara durante o filme, catando meu lixinho (coisa que ele nem fez) e levantando calmamente. Ao sair explodi: “NUNCA MAIS”. Expliquei e ele em contrapartida disse: “ai, você é muito chata no cinema, bem que me disseram pra não falar nada se não você me matava, cheia de mania...”. E eu incrédula gritava na escada rolante: “ABSURDO, ALÉM DE FALAR O TEMPO TODO VOCÊ ATENDEU AO CELULAR, FICOU CONVERSANDO, DISSE FALAS DO FILME E AINDA DISSE QUE O FILME ACABOU ANTES DE ACABAR! NUNCA MAIS!” As pessoas em volta deviam achar que era uma briga de namorados ou amigos simplesmente, eu ria de vez em quando e os rostos em volta mudavam um pouco. Mas a raiva era grande.
Despedimos-nos e eu vi que nem sempre se dá pra fazer tudo com as pessoas que a gente gosta. Amigo não é tudo igual e não encaixa em todos os lugares. Vi que não dava pra ir ao cinema com ele, mas em contrapartida, ele era perfeito de se sentar, beber uma cerveja, comer Yakissoba e conversar sobre a vida.
Acima de tudo, valeu a pena. Afinal, a Miranda sempre foi minha preferida

O Que É O Amor?

Eu penso como se fosse um encaixar de duas pessoas que são um quebra-cabeça por si só – pequenos pedaços de todas as almas que já viveram – e cada uma, por um momento, vira uma só peça de um quebra-cabeça de duas peças.

Por Alguém que já não mais existe em minha vida.

quarta-feira, setembro 24

Rolling Up The Walls Inside.

Depois de um fim de semana de zumbi, tenho tentado dormir cedo. Pelo menos no meio da semana! Não consigo. Tenho que estudar/ajudar meu pai/escrever/ajudar meu pai/ir ao médico/terminar tatuagem/ajudar meu pai/comprar ingresso pro festival do rio/ajudar meu pai/ajudar meu pai.
Odeio rotina. Com todas as minhas forças. E sempre fui contra a ela. E continuarei sendo.
Estava andando hoje na rua e pensei: às vezes eu queria ser outra pessoa, por uma semana apenas. Pensar diferente, olhar ao redor de maneira diferente, me pentear diferente, pisar diferente, cantar diferente, ter pintas em lugares estratégicos ou não diferentes. Diferente! Sinto falta disso, dessa diferença.
Acho que cansei de mim.

domingo, setembro 21

Aula Curta de Culinária #2

Tenho que parar de cozinhar só de sutiã, sempre deixo respingar água fervendo em minha barriga. Aí dou um pulo para trás pisando na pata da minha cadela, sempre em volta do fogão em busca de comida. Além de evitar que os vizinhos me vejam semi-nua. O que fazer? Minha inspiração de sutiã é maior na cozinha. Além de olhar também para a cozinha dos outros. Além de o cor de vinho ser meu predileto.

segunda-feira, setembro 15

Aula Curta de Culinária.

Tenho que parar de cozinhar com minhas emoções. Elas sempre reagem quando eu fico só na cozinha. Preparando algo, lavando a louça. Começo a chorar perdida em lembranças, minha mãe me dá um abraço, diz que me ama. Tudo fica bem.
Fica?
Amanhã terei que fazer meu almoço.

domingo, setembro 14

Tem Perna Longa.

Hoje estava atravessando a Frei Leandro com um novo cartaz para meu quarto, pensando em peripécias desimportantes, tropeço e caio num buraco, meu pé torceu. Um carro quase me atropelou. O motorista parou, saiu do carro e me levou para o hospital, eu não conseguia andar. O nome dele era Lucas, alto, usava uma calça jeans, camisa preta da Orquestra Imperial e cursava o último ano de ciências sociais na FGV, tinha 28 anos e uma tatuagem incompreensível no braço. Eu, erroneamente, atravessava a rua num lugar sem sinal. Agora estou com o pé pra cima, enfaixado, enquanto o Lucas está fazendo uma massagem em mim cantando Iara.
(É tudo mentira)

quarta-feira, setembro 10

What a Little Billie Holiday Can Do.

Estava hoje eu a ouvir Billie Holiday, dobrando minha roupa limpa e bebericando água depois de uma barra de chocolate quando senti algo inédito: saudades da minha avó. Pode parecer algo ruim, nossa, ela nunca sentiu saudades da própria avó, mas é verdade. Não gosto dela, só que ela é minha avó. Por exemplo, se eu chegasse a ela e dissesse: Vó, tenho ouvido muito Billie Holiday, ela daria um sorriso pra mim e diria: hoje eu tomei cinco comprimidos, minhas pernas estão doendo, me ajuda a levantar? E eu a ajudaria. Se eu chegasse para o meu avô e dissesse o mesmo, ele diria: É? Legal, não me recordo muito bem, mas ela tem uma voz muito boa, não é? E conversaríamos sobre um jazz já esquecido por ele. Mas ainda assim, senti saudades dela hoje. Não estou carente nem nada, foi saudades dela falando mal da minha tatuagem e saudades dela me falando da planta da varanda dela e saudades das roupas breguíssimas que a cada semana ela usa e saudades de ver o quanto ela muda de perfume e saudades da mão gelada dela tremendo ao tocar meu braço. E ao perceber o que eu tenho em minha vida: Vó, te amo.

terça-feira, setembro 9

Defesa à Amy Jade Winehouse.

É, a defendo sim. Não porque sou uma fã incontestável, apenas por não ver nada de errado nisso tudo. A questão é: quando Amy Jade Winehouse disse que serviria de exemplo a alguém? Quando ela afirmou o compromisso de não beber, fumar, se drogar ao extremo? É a vida dela. Ela tem seus motivos para fazer tudo o que faz. E se não tem, só quer se divertir! O que já é um motivo.
Ao ver todo mundo só a conhecendo de nome por todas as besteiras que ela faz, me deixa bem chateada. Minha família vem me perguntar: mas você só se inspira nela na hora de se vestir, maquiar e pentear o cabelo, né? Nada além disso?... Não é ouvindo Amy que ficarei igual a ela. Se os adultos realmente crêem nisso...
Concordo no fato de ser falta de respeito aos fãs ela aparecer bêbada aos shows e não costumar freqüentá-los. Falta um profissionalismo. Mas quanto a todas as manchetes de: Amy Winehouse e seu pé sujo (acreditem, já vi isso); Amy Winehouse e seu sutiã preso por um grampo; Amy Winehouse só de sutiã no parque; Amy Winehouse drogada. Cara, foda-se o sutiã preso por um grampo, qual o problema? Você nunca fez isso? Só por ela ser uma celebridade não o pode fazer? Quem disse? Ao se tornarem celebridades, os famosos assinam um contrato afirmando que não farão mais determinadas coisas?(não deixarão mais seus pés sujos).
Quem são as pessoas pra dizerem que o que ela faz é horrendo? Simplesmente saem julgando!
“Oh meu deus, que mulher é essa?!” Tais pessoas nunca ouviram uma palavra saindo da boca dela e já a consideram reencarnação do diabo. Outro dia recebi um e-mail da minha tia assim: vejam o que as droga, bebidas, cigarro fizeram com Amy Winehouse. Aí várias fotos antes/depois. Mostrem aos jovens para impressioná-los e previní-los. ELA PRECISA SERVIR DE EXEMPLO A QUEM?

As pessoas gostam da música dela, por ser sincera. Ela canta da alma pra fora. Um exemplo disso é o fato de quase sempre chorar cantando Love Is a Losing Game. Por ser uma música pessoal, diz ela. Tem uma voz maravilhosa, e suas palavras são refinadas e ao mesmo tempo ‘sujas’ como qualquer mente de qualquer pessoa.
Se ela quer morrer cedo, deixa ela ué. É a vida dela, ela faz o que ela quiser. Eu sentiria falta, mas e daí? Ela não estaria nem aí. E essa atitude é o que faz alguns a amarem e outros a odiarem. Ter atitude para ir contra a maioria das regras éticas sociais é preciso culhões do tamanho de seu cabelo.

domingo, setembro 7

3 minutos.

Fiquei durante uns trinta segundos olhando para a panela. Vi a água borbulhar cada vez mais rápido, o miojo se mexia calmamente, ocupando seu lugar, enquanto a água abria espaço para evaporar.
Pensava se o que eu estava fazendo era certo, se adiantaria alguma coisa. Ficar sem falar com meu pai por um tempo, o necessário, faria com que ele mudasse em algo? Faria com que ele visse que estava errado? Ele nem sabia que eu estava sem falar com ele. Percebeu, apenas, que eu deixara de responder às suas conversas inúteis. E ao perceber, todo nervoso, que eu não queria conversar, disse:
- Ta nervosinha, é? Todo mundo tem problema, sabe? Não precisa ficar ignorando seus pais, e nos tratando mal. Cresce um pouco.
A questão é: ao dizer que precisava ficar no computador, porque precisava de tais letras e cifras naquele momento, ele quase me tirara à força de lá. Me tratou como se fosse um cachorro. “Ah, não Lú. Agora já deu. Cansei. Vai ter que sair.” E ao perguntar a ele o que de tão importante ele tinha para fazer no computador ele disse que queria ver seus e-mails, e suas músicas, que a minha mãe já estava chegando em casa e que ia precisar usar o computador, como sempre, que era um vício dela, que não conseguia saber a hora de parar, queria ficar no computador mais e mais e mais (ele não sabe o significado da palavra vício). E eu a defendi, disse que ela precisava trabalhar e pagar o que ele comia e onde dormia, ela só fazia tudo aquilo para nós três vivermos, e pra isso ela precisava do computador, ele não via isso. E ele, o ser mais egoísta que já vi: esse computador é meu e eu nunca consigo ficar com ele! É impressionante! Seu, pai? Perguntei rindo. Ele, gritando, disse que era dele sim. Eu ria quase chorando de raiva. Não acreditava naquilo. Pela primeira vez ele tinha algo (um computador!) e compartilhava com sua família. Mas ainda assim, não conseguia compartilhar totalmente. Precisava dizer que era dele, precisava me tirar dali a força. Levantei da cadeira, já não agüentava mais ouvi-lo me criticando e perguntando toda hora o que faltava pra eu escrever, simplesmente me expulsando dali. Se ele tivesse me tocado, não sei o que faria. Simplesmente encostado um dedo em mim, não sei o que faria.
Disse a ele que fiquei muito chateada, que ele não tinha noção do quanto me deixava chateada fazendo aquilo. Ele não disse nada, sentou no computador (a criança calou ao conseguir seu sorvete). Eu saí, sem dizer tchau. Passei o sábado inteiro sem trocar uma palavra, ele percebeu. Domingo, ao ir preparar meu miojo, ele disse tais palavras anteriores, e eu disse: eu falei pra você pensar um pouco, nem sempre as pessoas devem te dizer sempre o que está acontecendo.
Ele não tinha nem noção de que era com ele que eu estava chateada!
- Ainda é aquilo de sexta, do computador????- disse ele todo indignado.
Não nos falamos mais. Estou pensando se eu talvez devesse esquecer isso. As pessoas sempre se arrependem das brigas. Após a morte de tal pessoa, elas sempre pensam: por um motivo bobo, deixamos de viver. Mas o meu motivo não era bobo. Não era o computador. Era ele, era todo esse egoísmo assassino que ele esbanjava. Não agüentava mais. Ele era literalmente a pessoa mais egoísta que conheci, meu pai. Não queria me tornar igual, era meu maior medo.
Lembro que senti como se eu fosse a mãe dele, dizendo não ao não querer sair do computador. Um primeiro ‘não’ que ele estava levando. Esse era o problema, seus pais nunca haviam dito um ‘não’ em toda sua vida. Por um lado, não era culpa dele. Foi sua educação. Mas não devo ser só mais uma a passar a mão em sua cabeça e pensar: coitadinho, não é culpa dele. Ele simplesmente não vê que isso é errado.
Ele tem 54 anos, e quer ser tratado como uma criança. A criança que ele sempre foi. Eu nunca me senti a vontade de contar algo meu, algo que viesse dos meus sentimentos. Ele nunca dizia algo. O que ele precisava era de alguém que o ajudasse. Agora, que ia operar, só falava nisso. E sua mãe. Nunca consegui literalmente contar nada a ela. Está sempre com vontade de mostrar o quanto é doente e quantos comprimidos toma por dia.
Ele tem que aprender a conviver. Ou então acabará sozinho, eu me recuso a viver ao lado de alguém assim.
Então mergulhei o garfo na panela.
O miojo estava pronto.

sábado, setembro 6

Cherry.

Chego no colégio, e os poucos que sabiam já vinham me perguntando: é hoje? É hoje? Sim, é hoje.
Estava nervosa e ao mesmo tempo feliz. Não, não era felicidade. Era algo que nunca havia sentido antes. A tatuagem havia se tornado meu maior objetivo.
Foi algo difícil. Ninguém entendeu. Acho que ainda não entenderam, mas não tem problema. Sou eu que tenho que entender. Eu que a carregarei pelo resto de minha vida.
Meu pai disse:
- um dia eu estou com vontade de ir à índia, no dia seguinte não estou mais.
- pai, eu sou do tipo de pessoa que vai à índia.
Acho que o único jeito de viver e aprender com isso é fazendo o que se deseja. Claro, todos fizeram certo em me alertar e em ficar preocupados. Afinal, isso só mostrou mais o quanto se importam comigo e com minha felicidade futura. E mais ainda, com minha felicidade momentânea, já que muitos contribuíram.
Ao ter certeza que tal desenho sempre terá significado para mim, mesmo que eu, mais do que o meu corpo, esteja em constante mudança, nada mais importa.
Hoje, minha pin up tem uns 13 significados, amanhã terá 14 e daqui a trinta anos terá 20 ou apenas 2. Mas sempre o terá.

Ao chegar no estúdio, cumprimentei todos e disse que meus pais já estariam chegando para autorizar o início. Sim, 16 anos.
Quando a agulha tocou minha pele, fiz uma cara de: ai. Mas aos poucos fui acostumando com a nova sensação, algo que nunca havia sentido, era tipo um choque fraquinho. Vi que seria mais fácil do que pensava. Com uma mão embaixo da perna e a outra fechada com tanta força que ficou marca das minhas unhas e suando como nunca havia suado, fiz a tatuagem. Além de ser agradável, tive a presença de quatro amigos, dos dois pais e até do meu avô. Cada um passou por lá durante algumas das quatro horas e meia em que me deixava na mão de um homenzarrão todo tatuado e cheio de piadas.
Ao término, pensei: ainda quero muitas dessas.
O espelho se tornou um bom amigo e ao mesmo tempo o pior. Estou me esforçando para não ficar admirando-a a todo segundo.
E ouvindo uma música hoje, chamada Cherry, me dei conta:
‘Her name is Cherry, we’ve just met, but already she knows me better than you. And when I’m lonely, Cherry is there, and she plays along while I sing out my blues. So I got me a new best friend, and Cherry is her name.’
E agora, tenho uma felicidade interna (e externa).

Afinal, fui à Índia.

Humano.

Massacre
Genocídio
Morte
Turbilhão
Fantasia
Oi?

Tchau.

terça-feira, setembro 2

Fragmento de Uma Lembrança #2

Me lembro que ficava a janela esperando por você. Avistava do alto seu tênis colorido, checava o odor do meu hálito e me metia por baixo das cobertas fingindo estar dormindo. Ouvia a porta correr, sentia seu cabelo e sua barba por fazer em minhas bochechas. Gostava de acordar sentindo cócegas e você sabia disso, embora eu nunca tivesse lhe dito. Eu dava um sorriso, ainda de olhos fechados. Você me beijava, e eu me rendia abrindo os olhos.

Gostava dessa rotina, a única que eu agüentei por tanto tempo.