quarta-feira, dezembro 31

e escrevo.

Começo de um jeito e termino de outro,
sempre sai diferente.

Arranco do meu peito esse peso e leveza
Essa vontade de botar pra fora.

Vomito tudo como se fosse a refeição das três
Fica no papel o que era sentimento

Perdida pelas minhas pálpebras, as palavras visualizadas por um eu diferente
Um eu que nasceu agora e nada espera

Além de versos diligentes,
sempre crentes em algo

Quem disse que é possível escrever o que a gente nem sabe o nome?

Ata-me!

Num dia quente sem sol, duas velhinhas iguais vestidas iguais elogiaram a Cherry.
Nada pude fazer, a não ser agradecer.
Estava feliz por duas senhoras de idade gostarem da tinta em minha pele.

Mais tarde, ao encontrar com o homem que me criara vi o quanto nossa relação melhorara. O segredo era a não-convivência. Agora tínhamos histórias para contar, momentos para viajar e principalmente, amor para dar. Um amor que substituía, falava mais alto, que todas aquelas pequenas coisas que sempre nos impediam. Aquele amor do ventre, que na verdade era colo.

Após levar um soco no estômago, saímos do cinema. Ele me levou até o bar onde amigos se encontravam quietos. Fiquei mais quieta ainda, não havia digerido ainda o que vira/ouvira/sentira. E acho que nada posso falar ainda sobre o filme.

O cantor, que faturava 10 reais, contou suas histórias.
Eu pensei nas minhas.
Foi um dia estranhamente repleto de lembranças e sentimentos antigos novos
Quase me debrucei ao chão, sentindo o asfalto em meus lábios
Quente.
Ouvia o vapor passando por ele,
Ouvia o som da noite,
Ouvia o calar da chuva,
que há tanto nos perturbara.
Gostava de pisar nas poças com minhas mãos nas suas.

Um jogo de sombras fez eu sair do meu inferno pessoal
Fui a outro mundo sem me importar muito no que eu estava quase caindo novamente
E quando voltei não chegou a ser desagradável, mas perigoso
A corda bamba me mostrava um lado de lembranças e vícios
E um outro de salvação
E quem disse que há salvação?
Poderia ser apenas ilusão
Prefiro não saber
Nem quero crer
Crer que um dia amanheci curada
Sem medo de ser amada
Mas meu medo é o inverso
É o amar
E me entregar

Pedir socorro sempre foi demais para mim.
Prefiro encontrá-lo em minhas garrafas e cigarros de seda desenhada.
Desenhos de linhas tortas que definem o indefinido,
eu mesma.

the B.

with a little help! from my friends I'll be fixing my lonely heart,
Lucy and her diamonds are leaving home,
and Mr. Kite is sixty four,
Rita said 'good morning' and she's lovely for that,
within you or without you, it's always a day in my life.

I am waiting for 8th of january, there will be a small pepper at my shoulder.

sábado, dezembro 27

Eu lembro bem de você no Chelsea Hotel.

E então você foi embora, não foi?
Simplesmente tornou o seu rosto para longe
Foi embora e eu nunca o ouvi dizer,
"Eu preciso de você", "Eu não preciso de você"
E toda aquela enrolação...

Water on my lips.

Ouvindo a moça das unhas pretas descascando tocando seu piano.
Ela pára. Dá assistência a alguém na platéia. E volta.
E não pára mais. Continua sua arte, sem saber o que faz com meu corpo.
Ele treme todo.
Minhas vísceras querem sair.
Eu quero gritar.
E choro. Choro lembrando de como a conheci.
Choro lembrando de quando ouvíamos juntos.
Choro lembrando de como eu a cantava para você, só para você.
Choro lembrando de quando a cantamos atravessando o túnel pela madrugada.
Choro quando ela canta em francês.
Choro quando ela canta em russo.
Choro quando ela canta em inglês.
Sorrio quando ela sussurra em meus ouvidos. Lembro que ela também me ajudou.
Lembro que ela estava lá.
Lembro que ela foi um dos meus band aids.
Lembro que ela era uma moça indefesa que se defendia.
Descobri que sou uma moça indefesa que me defendo, ou aprendi a me defender.
Seja em outra cidade, seja embaixo das cobertas com a meia escorregando pelo pé, seja na cadeira de praia esperando o mar cobrir minhas orelhas, seja numa estátua no meio da praça enquanto crianças mastigam chiclete, seja ensinando o que é o amor, seja dizendo que te amo, seja batendo com uma baqueta numa cadeira, seja respirando monóxido de carbono, seja conversando sobre fidelidade, seja lembrando da primeira overdose, seja lembrando de alguma noite no Chelsea Hotel, seja vendendo cabeças numa caminhonete, seja pedindo um outro drink, seja sonhando, seja fazendo uma rima, seja lendo um poema sobre uma sereia com pés, seja em dezembro, seja ao entardecer, seja dentro de um aquário, seja falando sobre um pobre menino rico, seja lembrando do nosso verão, seja cheirando as flores, seja sendo como os filmes, seja com minha honra, seja eu, seja você, seja ela.

quinta-feira, dezembro 25

Feliz Natal

grande merda.
nessa data que entendemos os motivos da palavra "hipocrisia" existir.

e não, não sou largada pela minha família. os amo muito e eles também me amam.
pelo menos é o que dizem.
hipocrisia...ah..

segunda-feira, dezembro 22

Dados.

Acordei estranhamente tonta
Eu deveria estar pronta
Há tempos não me comportava assim
Fingi que não falaram de mim

Ouvi tudo enquanto estava com o rosto voltado para o sanitário
Ouvi tudo e até o que não era necessário
Recebi ajuda de melhores amigas e alguns olhares desconhecidos
Olhares que repousaram em mim com preocupação
Falidos de amor e de emoção

Minha mão continua queimada pelo carvão
Que na mesma emoção perdida
Senti-me falida
E fadada a me machucar
Nada que um band- aid do bob esponja não resolva

Perdi o seu rosto em meio à multidão
Meu dedo em minha garganta se acomodava mais
Cada vez que se encontravam mais distantes ficavam
Porém o dedo queria a garganta
Que queria explodir
Que queria fugir
Que queria sorrir
Que queria beijar
Que queria enrolar
Que queria controlar
Que queria brincar de controlar
Mas ei, é só brincar!

De quem é a vez?

domingo, dezembro 21

Você é tão vaidoso, aposto que pensa que esse fragmento é para você.

Deitávamos na cama com nossos botões. Um deles, meu, fugiu. Os outros fui abrindo delicadamente. Quando percebi que estava me abrindo por inteira, e você apenas à sua calça.

Fragmento de uma lembrança # 4

Lembro de estar tocando Cara Estranho e eu sentada no chão encostada em um cano frio. Você perguntava se eles vendiam matte, e tudo o que pude beber foi água. Água que se misturava com minhas sinceras lágrimas por perder um dos melhores shows da minha vida. Você me botou num táxi e, abraçados, me levou à sua casa. Lá, me deu do que comer e cessou o meu choro com suas delicadas mãos de músico. Sinto falta da música que você provocava em mim.

mapa

Ao abrir a porta do infinito, conheço meus demônios. Não sei o caminho de volta.
Me perco.
Me perco em meu próprio infinito.

"o estar acontecendo transforma o presente no instante já passado"

Fragmento de uma invenção.

Você me lembra muito o personagem principal do livro que estou lendo agora. Não pelo envolvimento precoce com as drogas, não só isso. Mas pelo espírito, físico, cabelo, decisões, estilo, voz.. Onde quer que você esteja agora no globo ou fora dele...
Imagino a gente andando pelo mato já crescido em cima dos trilhos. O sol escaldante sobre nossas cabeças. Nossas mãos atadas, sentindo toda a energia, nosso amor nunca vai acabar.

quinta-feira, dezembro 18

r.i.p

Por que abrir espaço?
Eu não realmente quero abrir minhas pernas para ele.
E aposto que você as ainda quer abertas.

Não compreendo seu descaso
seu desacato
Não era um casamento
E falhou antes de começar

Todas essas suas incertezas medíocres que o transformam em um túmulo
Não cuido de cemitérios,
porém nunca me senti tão atraída em fazê-lo

Quero te envolver como um zelo
Quero que não seja segredo
Quero que me faça bem
Com

ou

sem.

Paixão só não basta.

"Se entre a minha verdade

e a tua, se encontra a verdade.

Se inteligência é fundamental

e nisto concordamos,

quando discordamos.

Se a generosidade é o algo a mais

e não basta.

Há ainda o humor travesso,

pelo menos.

Pimenta junto com molho inglês,

francês ou italiano.

Pavarotti, Mozart ou rock and roll,

misturados com saquê,

sushis e sashimis

vê se saca:



pra mim é pouco,

eu quero mais.

Uma pitada forte de paixão,

misturada ao sal do amor,

num jogo sem perdedor

onde cartas estão na mesa

mas há sempre

uma na manga.

Mistérios de cada um

no encontro de cada dois.



Enquanto te contemplo,

me observas.



A interioridade é o abismo que nos separa.
poesia é um parto natural.

déjà vu.

Por mais que eu me esqueça,
lembro.
Que fazer?
Não quero viver nas memórias.

Um brinde a ti.

"Bebo o suor e o prazer,
a dor e a mentira.
Me consumo em dias,
anos de perfeita inocência
para perceber enganos, traições.
Naufrago sem erguer meus olhos
com pensamentos arrojados.
Não sei mais qual o trago,
bebo o cálice da solidão
e brindo a ti."

contornos.

Há um amor que jorra, que geme,
fere em brasa,
fia em ouro,
a esperança renovada
que encontro em ti.

Diálogo de poeta.

"De onde eu não te conheço
me perguntou o poeta
se reconhecendo em mim.

Nos encontrávamos perdidos na poesia do mundo,
esquinas que alternam palavras e sentimentos.
Desconhecidos tão conhecidos."

terça-feira, dezembro 16

Pensamento imperfeito.

Antes eu pensava: "como viverei sem você?". Agora a companhia mudou, e me pergunto: "como viverei com você?"

Chet Baker com coxinhas.

Só quero chegar em casa, tirar meu tênis, a flor do cabelo, a roupa, 'me despir de incertezas', relaxar na cama e ler a veja sobre o drama de Suzana Vieira.

quinta-feira, dezembro 11

Moça Com Brinco de Plástico (Parte 2)

- O que é amor pra você Ela?
Ficou em silêncio por um tempo e depois respondeu:
- Eu penso como se fosse um encaixar de duas pessoas, que são um quebra-cabeça por si só, pequenos pedaços de todas as almas que já viveram, e cada uma, por um momento, viram uma só peça de um quebra-cabeça de duas peças.
Marina olha para Ela e ri, ri não, gargalha.
- Qual o problema?!
- Parece até que você está apaixonada!
- Não é nada disso, você me perguntou, eu respondi.
- Então continua com essa baboseira de achar o homem certo? Você é uma puta cara, putas não têm o direito de amar, elas dão o prazer que têm que dar aos homens e pronto, pára de tentar achar formiga no berço de tamanduá. Aqui, onde você tava ontem que não voltou mais pra praça XV?
- Tava com um cliente ué, você me viu saindo.
- Você saiu às três da manhã, voltou pra casa às sete.
- Fiquei com ele o tempo todo.
- Ganhou uma grana, né?
- Fiz o completo.
- E duraram essas horas todas?! Que isso Ela! Ta perdendo a buceta é?
Ela levantou da cama que dividia com a amiga, cinco passos, chegou à cozinha. Sim, a casa era pequena.
- Ah... Já sei! Vai fazer o mesmo que fez com aquele cara... Fingir que é só dele, dar tudo o que ele quer, cobrar pouco às vezes, mostrar coisas novas, chupar sem ele pedir... E um belo dia, quando ele estiver confiando em você e te deixar sozinha ao sair para trabalhar, você vai lá e chama nossos amigos para tirar todos os móveis e coisas de valor da casa. Muito esperta, muito esperta. Mas cuidado, vai se tornar conhecido esse golpe, e além de não confiarem na gente, eles vão nos espancar só de imaginar isso.
- Não tem como isso se tornar conhecido, nenhum homem admitiria ter deixado uma prostituta dormindo em casa enquanto fora trabalhar.
Com isso Marina calou-se.
- E não é isso que estou fazendo com esse homem. Não estou fazendo nada! Foi só um cliente, uma noite.
- Gostou dele, não?
- Ele é interessante, ele conversou comigo, e me deu elogios dos quais nunca ouvira antes!
- Grande coisa! Pode ter dado sorte e pego um poeta, e daí? O pau dele fala francês? Vai, me diz, o pau dele fala francês?
- Não sei! – disse Ela rindo.
- Ah, porque nós duas sabemos do que a sua bebezinha aí é capaz. E nenhum pau até hoje falou francês contigo.
Ela pegou uma panela e encheu de água, ligou o fogão e deixou a panela ali, com a água a ferver.


Hoje não havia skatistas. Não sabiam por quê. Elas não queriam saber o porquê. Não se importavam.
Ela estava chegando à praça pela terceira vez da noite, acabara de ir até a esquina dado a bunda para um açougueiro fedorento, Ela era vegetariana.
Foi quando um Picasso prata foi andando devagar, ela reconheceu a silhueta do motorista e foi até ele.
- Estava passando por aqui para pegar o caminho de casa e... Resolvi desacelerar um pouco... Sabe... Estava apenas indo pra casa.
- Um homem tergiversante é pior do que um homem mentiroso.
- Onde consegue dizer palavras tão... Ah esquece.
- Tão o que? Vamos, diga!
- Não, esquece.
- Tão sofisticadas? Ah, nem todas as putas são analfabetas, algumas aprenderam a escrever e ler, e até a ter um bom vocabulário.
- Muito poucas, se me permite dizer. – disse o homem envergonhado.
- Sou rara. Meu nome é Ela.
- Isso não te torna rara, seu nome significa que você é “ela” e mais outras, como se alguém tivesse posto esse nome em você por não saber o verdadeiro nome.
Nesse momento Ela se calou, não queria mais conversar sobre a origem do seu nome.
- Entre no carro.
- Pra quê? Pra você continuar fazendo perguntas do meu passado e me fazer desmoronar moralmente?
- Não, para podermos conversar em paz em outro lugar. Um lugar mais calmo.
- Mais calmo que a praça XV em uma quarta-feira em plenas duas horas da manhã?
- Sem que uma porta de carro nos separe.
Ela entrou no carro. E sem dizer mais uma palavra seguiram caminho ao mesmo hotel. Lá, aconteceram coisas muito diferentes do que acontecia tanto a Ela quanto ao homem. Ao final, Ela acendeu um cigarro.
- Não sabia que fumava.
- Te incomodas?
- Não, de modo algum, me dê um trago. Amei gozar com você fazendo... Aquilo.
- O gozo é um acidente de percurso, não o valorize.
- Como, justamente você, não o valoriza?
- Me sinto fazendo mais meu trabalho se vocês têm prazer antes e depois do gozo, não só durante, ele dura segundos, preciso dar mais prazer do que em apenas segundos.
- É, mas de que adianta dar prazeres diversos se os clientes não gozarem? Afinal, não é isso que procuram? Além do dinheiro, é claro. Alguém que os faça gozar o mais rapidamente possível para seguirem com suas vidas apressadas?
- É isso que procura?
- Eu? Não... Gosto desse seu método, não quero nada rápido, gosto de passar a noite toda ao seu lado.
- Bom saber, quanto aos apressados, dou o que eles querem, afinal estou sendo paga pra isso. Não vai nunca me dizer teu nome?
- Bernardo.
- Tenho que ir.
- Mas já?
- Tenho que ir.
- Mas ontem a gente ficou até amanhecer juntos.
- Ontem não é hoje.
- Mas por que essa pressa toda?
- Tenho que ir.
- Te dou uma carona, vai voltar pra praça? É isso?
- Não, vou sozinha.
Sem mais explicações, Ela já estava vestida e saía porta afora. Não voltou para a praça para obter mais lucros, e sim, foi para casa. Abriu a porta, deu oito passos, se jogou na cama, se cobriu com a canga azul que servia de colcha e chorou, chorou até adormecer. Naquela noite Ela sonhara com seu bebê.

domingo, dezembro 7

Simplesmente.

"Ainda que de repente
te encontro assim.
Que hora é essa,
assim sem pressa?

Festa viva
vibra em mim.
Luzes, música, noite,
no peito emoção enfiada,
coração pulsando orquestra.

O essencial desabou sobre nós?"
eu estaria curada se passasse por essa tempestade.

auto-falante.

como um abrigo seu sorriso me abraçou
a dúvida invadiu os meus pêlos eriçados

"não, não, não", pensava eu
não iria dilacerar tudo por um simples forte desejo

eu me faria de desentendida
como se fosse apenas uma amiga

talvez pelo orgulho
talvez pelo bagulho

mas não era uma desistência,
era uma sobrevivência

aguardarei letras que sejam realmente sobre mim
assim, transparentes

uma transparência educada e sensual, não vulgar
não quero um berço, quero criar um

precisava sair desse lugar e ir adiante
enquanto espero meu coração cantante pegar o microfone e gritar o seu nome

grita o meu nome!

sexta-feira, dezembro 5

As Sapatilhas de Luísa.

Luísa gostava de fechar os olhos ao fazer xixi, apreciava os homens e não se importava com a tampa do vaso em pé.
Luísa odiava gatos, e desprezava as mulheres que, por estarem tristes, comiam barras e barras de chocolate.
Por enquanto é tudo que precisam saber.


Ao abrir os olhos, Luísa se deparou com Almodóvar, seu dálmata. Ele a fitava com olhar de desespero. Já passava das três e sua bexiga devia estar lotada de um líquido amarelo e que ao sair ficaria avermelhado ao se juntar ao sangue da velhice. Almodóvar estava em seus últimos anos e Luísa não gostava de enfrentar tal realidade.
Foi à cozinha, preparou seu café. O tempo passara rápido ou lento demais. Não sabia como fora parar em casa. Lembrava-se de estar numa boate e de enfiar a taça em seus pés ao procurar suas sandálias. Depois disso, tudo era escuridão.
Suas mãos cheiravam a pimentão. Não sabia o motivo.


Almodóvar com suas pintas abanava o rabo a espera de sua dona confusamente sóbria.
Colocou a coleira, botou suas havaianas e foram à porta. Ao abri-la, havia um pacote no chão, mais como uma caixa, esperando para ser aberto.
Luísa estranhou, não havia bilhete algum. Pensou se era mesmo para ela. Mas ao virar a caixa, leu: Para Luísa, não deixe suas idéias escaparem, fique de pé.
Não havia muitas Luísas naquele mundo. Além da de Chico Buarque, umas cinco ou seis (?). Pelo menos nenhuma havia naquele prédio. Se era por mim que aquela pessoa saía do tom, que viesse.


Entrei novamente no apartamento, para desespero de Almodóvar, sentei-me na ponta da cama e comecei a abrir o pacote. Ao retirar o papel bege que a cobria, descobri outro, só que roxo, e de crepom. Amava roxo, e a pessoa que me mandara tal pacote, que eu ainda não sabia o que era, sabia disso.


Confuso. Luísa sou eu? Não sei mais dizer, em primeira pessoa ou em terceira, você que deverá saber.


Luísa abriu por fim a caixa. Dentro, encontrava-se um par de sapatilhas vermelhas com um laço em cada ponta. Era o meu número. Impossível, a pessoa me conhecia. Fiquei sentada na cama desarrumada pensando e procurando algum indício de quem teria me mandado aquilo.


Confusos estão? Eu estava mais.


Resolvi calçá-las. Couberam como o esperado. Não havia nada de errado nelas. Fitei-as por mais um tempo. Pareciam hipnotizar minha atenção. Sentia minha respiração, a ouvia com perfeita nitidez, analisava todas as curvas da sapatilha. Já gostava dela, mesmo não sabendo nada de suas origens. Via, no plano de fundo das sapatilhas, uma imagem peluda preta e branco se movendo. Era Almodóvar, já impaciente e latindo sem parar. Consegui sair do transe, não ouvia os latidos, que pela cara de Almodóvar pareciam estar ali há muito tempo tentando chamar minha atenção.
Levantei correndo reparando no que estava para acontecer. Não queria limpar urina de cachorro. Levei-o até a porta e fomos ao corredor. O elevador estava a minha espera. Abri a grade, já meio enferrujada, e entrei. Almodóvar olhava furioso para mim, com meus olhos de jabuticaba pedia desculpas. Ele parecia não entender. Parecia não reconhecer quem estava ao seu lado.


Era eu? Ou era Luísa? Luísa sou eu? Ou eu sou Luísa?


Pisaram no asfalto e Almodóvar soltou um gemido de alívio. Eu também, me sentia meio claustrofóbica no elevador.
Fomos em direção à Lagoa. Eram confortáveis, as sapatilhas. Sua cor ofuscava meus olhos. Mas Almodóvar estava com toda a atenção em mim, e não em meus pés. Por algum motivo ele sentia que algo estava diferente. E estava mesmo.


Luísa já não sabia ser Luísa.


Estava tentando entender o mecanismo daquilo. Olhava insistentemente para as sapatilhas. Por que ao calçá-la ela se sentia tão diferente? A vida dela era tão pacata a ponto de algo assim mudar tudo?


Hoje era domingo, hoje era domingo, hoje era domingo?


Voltou para casa. Esse personagem maldito que já não podemos mais chamar de Luísa. A cada passo, a cada dúvida, a cada suspiro Luísa deixou de ser Luísa. Luísa era uma identidade nua. Não nua totalmente, apenas pelas sapatilhas vermelhas em seus pés. Mas não tinha nada a esconder. Só os seus dedões, dos quais nunca gostou. Luísa era agora um ser livre. Um ser. Inteiro, vazio, cheio.
Almodóvar não a reconhecia. Como ao ganhar um presente silencioso alguém é capaz de mudar tanto? Luísa ainda não sabia se estava gostando de tal mudança. Luísa gostava era de se sentir nova. Nua, como um feto que surge no mundo. Ética, agora, era diferente (indiferente?) para ela.


Às vezes Luísa queria voltar a ser Luísa. Mas isso envolvia tanta burocracia que na primeira tentativa de tirar as sapatilhas, Luísa caía ao chão e sorria para os laços, enquanto ficavam mais apertados e sentia dor. Luísa abraçava a dor e sorria. Seus braços não precisavam mais sangrar. Logo, logo eles voltariam a ser macios e sem rachaduras. Nenhum líquido viscoso sairia de suas entranhas. Não teria um primeiro a enfiar a faca.


Seus olhos agora eram transparentes. Nem verdes, nem azuis, nem de jabuticaba, nem carmim. E sim, transparentes. Almodóvar jazia morto no canto da sala. Seus peitos precisavam ser lavados. Seu cabelo, longo como nunca, oleoso. Seus dentes amarelados sorriam para os laços que não a desenlaçavam. Suas unhas davam voltas e voltas pelos dedos, rachadas. Rachadas como sua vida. Sua nova velha vida.

Um dia, Luísa cortou um dos laços. O papel descascado da parede votou ao seu lugar. Ao cortar o outro laço, Luísa viu que as sapatilhas já estavam grandes demais para seus pequenos pés. Luísa viu que era hora de se vestir.
Foi até a cozinha, pegou uma faca. Foi até o canto da sala e começou a fazer um fino corte em Almodóvar. Ao terminar todo o procedimento, Luísa se envolveu com a pele pintada de seu antigo cachorro. Agora olhava para seus pés, impecavelmente limpos. Gotas de sangue começaram a despencar. Luísa olhou para o espelho, e o sangue não era da pele de sua roupa, era de seus olhos. Luísa chorava sangue. Foi quando percebeu que as sapatilhas simbolizavam o seu, e o de todos, lado Z. O lado verdadeiro e humano e maléfico e puro que todos têm, mas se vestem com mentiras.


Luísa já não sabia ser Luísa.
Luísa agora era luísa.

Moça Com Brinco de Plástico (Parte 1)

Ela se chamava Ela. Ela, era o nome dela. Usava brincos de plástico, sapatos antigos e uma longa trança que, achava ela, faziam com que parecesse ainda uma menina. Mas menina, era o que Ela não era mais. Sempre quis ver os “homens de branco” levar o corpo de alguém morto, deixava-a excitada. Mas isso era um desejo que mais tarde se realizaria.


Chovia insistentemente no centro do Rio. Ela estava na praça XV aguardando sua vez de partir num daqueles carrões que paravam e “raptavam” suas amigas que ali também estavam a esperar. Skatistas olhavam de soslaio para elas, mas não faziam nada, continuavam com suas manobras muitas vezes escorregando pela chuva.
Então um Picasso prata parou, Ela se inclinou para a janela do motorista, mostrou seus dentes limpos e ele a mandou que entrasse, não pela cor de seus dentes, mas pelos seios que ele podia ver muito bem pelo decote do espartilho.
- Só com o dinheiro na mão.
- E quanto é?- perguntou o sujeito.
- Depende.
- Um serviço completo.
- 400 reais.
- Mas tem que ser muito completo mesmo... Sai daqui, chama uma amiga sua aí que seja mais honesta.
Ela piscou os olhos, apertou os lábios e estufou os seios:
- Tem certeza?
Pronto, conseguira.
Entrou no carro e prosseguiram:
- Qual seu nome?
- Ela.
- Sério?- disse o homem rindo.
- Sempre falo sério.
O homem se calou.
Viraram na Avenida Rio Branco e seguiram viagem até o motel mais próximo. Entraram e tiveram momentos de prazer, Ela também gostava, não considerava apenas como seu trabalho, mas como uma arte que a deixava com prazer.
Deitados na cama comendo uva oferecida pelo motel conversavam:
- Seus peitos parecem duas montanhas, não grandiosas, mas únicas e empinadas, como aquelas em que há neve no topo e nada mais, parece um mapa a ser desvendado, passagens secretas, castelos, florestas, lagos.
Ela riu. Gostou do elogio, era diferente dos outros em que apenas falavam: “belo par de peitos”.
- É verdade!
- Acredito em você! Foi só diferente do que costumo ouvir. Na verdade não me falam muito, não assim, esses elogios.
- Acredite, são sinceros.
Ela sorriu, um sorriso sincero também, dos seus mais sinceros, era difícil, com sua profissão, se podemos chamá-la assim, tinha que saber a hora de sorrir, mesmo muitas vezes não querendo sorrir sorria. Mas esse sorriso era diferente. Era verdadeiramente sinceramente sincero.
- Se você sorri, é para melhor me invadir.
Levantou e foi até a janela, ficou a observar a cidade lá fora, um mundo a parte no momento.
- É tão bom olhar as luzes da cidade e ver que posso dormir a hora que quero. - disse ela.
- Como assim?
Ela voltou para a cama, se deitou e ficou a observar o próprio corpo no espelho do teto. O lençol vermelho o realçava, já que era toda branca, sem nenhuma marca de sol, seus cabelos negros realçavam a cor de seus olhos, pretos como duas jabuticabas.
- É sempre assim, não se entende nada. E numa noite acabamos morrendo.
Ele não disse nada, não precisava.
Ficaram em silêncio no resto da noite. Deu sete da manhã e resolveram se vestir, Ela perdera muitos clientes por ficar ali e não voltar a seu posto, e ele perderia muitos clientes naquela manhã se não fosse direto para o escritório.

sopro soprano.

Foi lindo. Talvez o mais viajante no qual consegui chegar.
Minha respiração fazia com que se mexesse calmamente, como uma alga, ou mais bonito ainda, como água viva...água viva que dança de acordo com a maré. Era verde e descia à agua com uma textura viscosa parecendo calda de menta. Fiquei observando durante um tempo.
E ao reparar o que eu estava a observar, resolvi dar a descarga.
fica.

quarta-feira, dezembro 3

ele e ela.

"ela quer ir ao cinema
ele já viu esse filme
ela quer um vestido
ele o que vai por baixo
ela pensa no futuro
ele entoca o bagulho
ela acredita no amor
ele reclama do calor

ela descabela com o desprezo
ele se penteia com arrogância
ela diz que ele sonha acordado
ele sonha com ela no escuro

ela acha ele tarado
ele coloca ela de lado
ela diz que ele é um número
ele prefere ela de quatro

ela morre de ciúmes
ele não vê nenhum motivo
ela mostra a foto do flagrante
ele diz que com ele é semelhante

ela diz que corta os pulsos
ele apresenta uma navalha
ela chora
ele é duro"
ela chora
ele vai embora?

terça-feira, dezembro 2

Conversando com Selton Mello.

Foi mais ou menos assim:
- A Erva do Rato. Só isso que tenho a dizer.
E aquele homem barbudo incrivelmente fofo me olhou com extrema surpresa. Sim, fofo é exatamente o que ele é.
- Você gostou, então... - me perguntou.
- Saí do cinema extasiada! Você e a Alessandra (Negrini) estão maravilhosos. É impossível negar a semelhança do filme com Blow Up (Depois Daquele Beijo). A relação do seu personagem com a câmera fotográfica e com a nudez da Alessandra... Não como algo sensual, acaba sendo, mas como arte. Pura arte. E a transformação dela em rato após uma "relação sexual" é uma sacada enorme, já que ela se transforma exatamente em o que o seu personagem mais odiava e ia em busca da morte, o verdadeiro rato. E com a morte dela, você continua a amando. Um amor que foi além do sexo e da própria vida. Você desiste de matar o rato quando "vê" que ela está se transformando em um, mesmo você não sabendo realmente e o odiando. Não entendi que ninguém gostou do filme, pelo menos os que eu conversei com.
- Nossa, que bom que gostou. Esse é um dos desconhecidos, ningúém nunca me aborda na rua falando sobre esse filme.
- Ah, você quer ouvir mais uma vez sobre a Compadecida ou Feliz Natal? Não, né?
E com um sorriso esbanjado na cara, nos despedimos.

Seria algo assim se realmente houvesse acontecido.

my guts.

estou com um novo tique nervoso.
quem adivinhar,ao me ver, qual é ganha um beijo.

-eu não prometo.

o rio não precisa de uma cidade da música.
o rio precisa é de música.

domingo, novembro 30

Resposta à Infância.

Era pura boemia
Naquele tempo tudo se fazia
Na escada,
Na cama,
Calada
Gritando


Moça da lapa
No dedo, uma farpa
O medo da verdade é maior do que a saudade


Indo e vindo,
Em busca de um coração amigo
Que compreenda e entenda
O meu coração ambíguo.

Sanitário Pessoal.

A fumaça atrapalhou meus olhos
Você provavelmente não podia ver, nem queria
Mas eu estava olhando diretamente pra você

Entrei e fui diretamente ao banheiro
Poesia pelas paredes descascando
Letras e sentimentos caindo aos pedaços
Se despedaçando e se suicidando a cada descarga

Voltando ao seu lado
Fingi ser canhota para encostar meu braço no teu
Fingi ser de limão para tomar do meu

A sonoridade das palavras doía à cabeça
As marcas no braço desapareciam
Mas sua mão pesava ao escrever
Cada letra, cada dor, cada amor

Mozart.

Ele estava lá
Mal me viu chegar
Dançava ao vento
No relento
Esquecido
Mas não ferido
Havia sido largado
E o vento o abraçava
Não como um fardo
Ele apenas dançava
Suas cores eram fortes
Mais do que a morte
Que poderia ser breve
Sendo leve
Como se ninguém importasse
Simplesmente deixado de lado
Um alguém que falasse
E não ficasse calado
Em fatídica situação
Eu pedia em vão
Para o sinal fechar
E que eu pudesse alcançar
Tão belo lenço
E em meus braços envolvê-lo
Como um zelo
De amor e carinho
Por um novo caminho
Vermelho
Corri ao seu encontro
Virou tesão
Obsessão
Não podia ignorar
Tal sentimento de excitação
Seria em vão
Brincar de não chorar
Precisava tê-lo
Nunca mais deixá-lo ao relento
Adotar e chamar de Mozart
Fingir que era música
O que na verdade era fuga
Fingir que era frio
O que na verdade era estilo
Sem feri-lo
Sem manchá-lo
Meu, precisava chamá-lo
De mais ninguém seria
Aquele lenço que já fora um dia
De outra pessoa
Que não foi boa
Com meu pequeno Mozart.

quarta-feira, novembro 26

curativo.

melhorei.
não sei se foi o chocolate ou a mudança de música.
sei que quando te vi, ali, entrando...meu cérebro pedindo para olhar para você, com aqueles olhos de preocupação. mas fui mais forte. na verdade não fiz força nenhuma. e isso jogou, espalhou, um sorriso em meu rosto. meus lábios inferiores mais do que carnudos tiveram que se espalhar e esbanjar para o mundo todo que eu já não ligava. parecia estar curada. mas ei, e o que é isso? já pensei estar anteriormente, mas foi preciso uma internação no hospital para me tocar de que a cura não realmente existe. só a sensação dela, o que já é suficiente.

é?

gosto de pensar que é.

ausente de mim mesma.

Estou me sentindo muito só agora.
Talvez por estar ouvindo Nouvelle Vague, talvez por não estar com você.
Nesse momento olho para trás e tenho boas lembranças.
O quão destrutivo isso é?
Espera, não estou falando de você.
Não mesmo.
Estou falando é do meu personagem ambíguo, que me deixou cheia de calafrios, que me enxe de sorrisos, e que me chama de (...), estou falando de outra pessoa, quase boa, quase amigo (um pouco mais do que isso), uma pessoa nova por aqui, provavelmente já apareceu entre uma vírgula e outra, mas não que me recorde.

Estou me sentindo muito só agora.
Eu diria até destrutiva. Não posso ficar sozinha no momento. Não seria recomendável. Cigarro.
Fumaça.
Tem alguém aí?




Tem alguém aí?

correção!

ei, não sou essa mulher desesperada que pareci ser em "obrigada, roteirista". vai ver no momento com bebidas e cigarros eu fui. mas não a sou.
foi só um agradecimento mesmo.

obrigada,
boa noite e boa sorte.
Foi como um filme. E dos meus prediletos..

obrigada, roteirista.

espero. espero. espero.
quanto tempo mais devo esperar?
pelo quê exatamente devo esperar?
devo esperar?
talvez não.
talvez eu nem tenha idéia e devo sim esperar.
será que a realidade vai me surpreender mais uma vez? até agora tem sido eficaz.
ao jogar o dado,
proporciono surpresas boas e ruins.
essa podia ser boa, essa que ainda nem existe, mas que está sendo tecida.

agradeço ao roteirista da minha vida, que a transformou em um filme de romances e lágrimas.

domingo, novembro 23

Inacabado.

Nem percebi,
Mas deixei meus pés pra fora da cortina
Bem na hora que tentava me esconder de você
E desses seus olhos que me cobrem de incertezas
Como uma felina, dei um pulo e procurei outra cor

Não achei uma tão rápido, não tão específica
Mas deu pro gasto
Desse fato, desse nosso relato
Que virou torto e demorado
Já não entendia, nem queria
Parecia fantasia

Achei que tinha falado, mas parece que não
Que foi sem chão essa vontade, essa irmandade
De rir de tanto chorar
E de chorar de tanto rir
Precisava cantar, mas rouquejava

Ainda não gostava, nem gostaria da amargura
Algo sem armadura, sem certeza
Sem dor nem amor
Sem alguém que entendesse meu coração ambíguo,
Que agora precisava de mais do que um amigo.

sábado, novembro 22

"não há distrações para a agonia"
"mentira"
"verdade"
"importa?"
a memória é algo que se tem ou que se perdeu?

?

Meu dedo sangra, acho que perdi um pouco de mim ontem. Só não sei em que parte do dia. Não sei onde encontrá-la (essa parte, que parte?que partiu de mim ontem.ah). Quero encontrá-la?

retina.

É bom ser a espectadora. Simplesmente observar e conhecer a pessoa por cada gesto que ela faz.

Todos estávamos ali reunidos por um mesmo motivo. A comida (agradeço ao homem que dilacerou meu coração, porém me ensinou a importância da gastronomia japonesa). Todos educadamente aguardando o momento de literalmente atacar os sushis belamente enfeitados. Seus pés batendo impacientemente, suas mãos nervosas provocando música em suas pernas compulsivamente, seus olhos lutando contra quem piscaria primeiro, quem tomaria a atitude? Eu, que permanecia quieta, empoleirada no sofá observando o quanto era dito mesmo com a ausência de palavras, levantei, peguei um prato e me servi.

qual andar?

Me senti como a Ruth, de Cidade dos Sonhos, adentrando em uma casa desconhecida em busca de abrigo, tentando encontrar meu verdadeiro eu, descobrir quem eu realmente era. Mas a casa era conhecida. Já estivera lá muitas vezes antes. Ainda assim... estranha sensação de novidade, um frescor diferente. Será que eu mudara tanto desde a última vez que estivera lá? O cheiro era tão diferente... os móveis em seus devidos lugares, a cama desarrumada também não era surpresa. O cheiro que me chamou a atenção. Quem afinal havia mudado ali? As pessoas que habitavam o apartamento ou eu?

quarta-feira, novembro 19

evaporar.

vou sumir, sumir de vez
evaporar
cansei de vocês
cansei de mim
mas a coragem é pouca e não posso num suspiro me matar
nem quero
covarde?
não, apenas feliz
sou uma boba feliz que quer seguir a vida
mesmo sem a ida e vinda
vida breve, eu espero
viver nunca foi minha meta
medo?
nem um pouco
quero uma vida sem repertório breve
com sol e dó
sempre lá e fá-
lta de ti
si, yo lo tengo
queria só uma ré
prise, qual o problema?
call mi
lta de ti
lta de ti
fá.
ser poeta é para todos. mas ser todos não é para qualquer poeta.

segunda-feira, novembro 17

Para ler ouvindo I Melt With You, de Nouvelle Vague.

Clara estava certa. O céu amarelo e Clara estava certa. Deitada em suas almofadas de cetim, passava delicadamente a mão em seu leque cor de rosa. Seus laços desfeitos, seu amor longe. Clara decidiu esperar. Clara decidiu abrir suas delicadas pernas e agora tinha que esperar. 9 meses.

(se você leu não ouvindo a música dita no título, você não realmente leu).

Para ler ouvindo Toxicity, de String Quartet.

Clara olhava o relógio. As horas passavam, passavam sem se importar com ela. Ela pensava o que fazia ali sentada? Que importância tinha aquele homem para ela? Quem era ele? Só porque seu chapéu era uma cartola? Só porque ele era alto, moreno de cabelos compridos, e usava um terno de linho azul claro impecável? Cetim. Clara desejava dançar. Um passo, depois o outro, depois o outro, depois o outro, depois o pulo, depois o choro, depois o outro. Olhava para seus ombros, seus belos ombros. Admirava suas pintas, elas eram localizadas em pontos específicos, a deixava perfeita. Uma dançarina sem sua sapatilha. Sem sua sina. Sem sua alma. O médico é avistado, ele anda rápido, pronto para dar a notícia, como um assassino, ele anda rápido, ele vai dizer, ele não se contém. Clara, com olhos pesados, cai ao chão e sua dança termina. Fim do quarto ato, ela está em seu quarto. Brinca com os dedos em sua barriga, o que está nascendo ali? Suas sardas a deixam mais lindas ainda na luz da manhã, seus olhos azuis estão mais azuis hoje. Quem era o homem da primeira fila?

(se você leu não ouvindo a música dita no título, você não realmente leu).
oi chuva.

nunca meu drink predileto.

finalmente acordei!
finalmente dormi!

acordei às 9, domingo. tinha ido dormir às 6. não estava certo. sim, são números bonitos. um o inverso do outro, uma posição sexual, uma conversa envolvente, um significado (não) muito grande. mas ainda assim eu estava com sono. mas ainda assim eu não conseguia dormir. mas ainda assim eu precisava descansar.
estava enjoada. fiquei deitada assistindo filmes a tarde toda enquanto não conseguia me mexer. minha mãe me alimentou e fez seu papel perguntando se eu estava bem. eu estava, sabe. era só...cansaço misturado com álcool, nunca meu drink predileto.
resolvi tomar um banho, e ajudou até. fui até a sala e fiquei lendo.
percebi que teria a chance de cair no sono mesmo sendo ainda 5 da tarde e mudei o ambiente para o meu quarto.
li, li, li e dormi.
.
.
.
acordo na segunda (?) às 9 e penso se é coincidência. eu acredito em coincidência? sempre fugi dessa pergunta e não será nesse post que irei enfrentá-la/respondê-la. uma dor de cabeça insistente não me deixou até agora. não me deixou com a comida caseira da vovó, não me deixou com o abraço quente da minha mãe e não me deixa agora que eu escrevo para tirá-la daqui. tentando transformar meu blog em uma penseira. um lugar onde ponho minhas lembranças e sentimentos. e posso relaxar, sem o medo de esquecê-los. afinal, eles estarão aqui até que a internet acabe. e se um dia a internet acabar, nós também já estaremos bem diferentes do que somos agora. e foda-se! que minhas memórias fiquem perdidas por aí.
quem realmente se importa?

ainda estou aqui e não sei porquê. afinal, isso aqui foi uma saída para a minha dor(que ainda não passou), e não para discutir a poesia ou os mistérios da minha vida da maneira mais hipócrita que a maioria dos blogs fazem. aff, qual o sentido disso tudo?
grande merda, 'vou escrever meus sentimentos'. NÃO SE ESCREVE OS SENTIMENTOS! quem realmente acredita nisso? eu. todos somos enganados. enganados por nós mesmos, o que particularmente acho pior.
a dor ainda não passou.
é...realmente não foi meu drink predileto. e nunca será. mas é o mais verdadeiro do qual tomei. acho difícil existir um como tal. ahn, acho que tomei o drink da realidade. e com ele vem sorrisos e dor. o que mais?

sexta-feira, novembro 14

lá do alto.

acho que o maior e único mistério em minha vida sempre será o céu.
e não há poesia que o descreva.

into my wildness #2

"suas idéias não correspondem aos fatos". Não, não gosto de Cazuza. Mas essa frase é tão verdadeira... Assim como "we all become what we once hated". Já passei por elas, e é verdade. E sei que um dia vai chegar a minha vez, a minha transformação em algo que odeio. Tenho medo de mim mesma.
meus óculos escuros blasè já não escondem mais minhas olheiras. vou parar...

quinta-feira, novembro 13

lembrança de um fragmento.

andei revendo umas fotos aí....
não posso dizer que foi doloroso. mas trouxe coisas que já haviam ido.
não quero abrir essa caixa que já passei fita crepe.

quanto ao filme: sim, foi doloroso. trouxe coisas que já haviam ido. e eventualmente abri a caixa.
mas ainda tenho fita crepe.....lá no armário....

Fragmento de uma lembrança #3.

Abri a porta e seu joelho sangrava. Ainda sentia nojo de você. Um nojo visceral que, achava eu, nunca seria capaz de sentir. Fiz um curativo. Você chorava. Foi a única vez que o vi chorando.
No quarto, nos beijamos. Tinha um gosto estranho do remédio que eu passara no rosto. Deitados na cama, o nojo se transformou em desejo. Você não entendia, nem eu.
nem eu.
Foi engraçado ver a delicadeza que você me tratava, como se fosse a nossa primeira vez. Não havia o desejo carnal da sua parte. E por isso, acho que foi ruim.
Gozei. E logo em seguida vi o que estava fazendo. Me satisfazendo, buscando vingança. Pensei: você conseguiu o que queria, né? Mas não era isso que você realmente queria. Você me queria de volta, só isso. O nojo voltou e te empurrei pra longe. Respirei fundo, virei para o lado e dormi. Silêncio.
No dia seguinte você teve que ir embora, não parecia nada certo em minha mente.
Me senti culpada com o gosto da vingança em minha genitália, e só agora entendo:
fudi como um homem fode.

into my wildness.

fico possessa. simplesmente possessa.
nem me despedi de quem eu mais amo.
no ônibus, enfiei a cara no livro e não falei com ele até chegarmos no lugar.
possessa. não entendi e ainda não entendo.
quero sair desse ambiente em que vivo, em que tenho que dividir o espaço. não é questão de ter que dividir com alguém, é de dividí-lo com você.
como pode ser eu crescida o suficiente e você criança para sempre?
achava que era tudo uma questão de quem nasceu primeiro.
o ovo ou a galinha?
me enganei. nasci por último, porém renasço a cada segundo.
ele nasceu primeiro, porém morre a cada suspiro.

congela!




esqueci de respirar.

segunda-feira, novembro 10

verbo querer.

quero fugir fugir
gufir golfar galopar
quero trocar trocar
cortar cultuar cantar
quero jogar gozar
me jogar

quero você
sem me arrepender.

O que é a poesia?# 2

Essa certeza encontrada na poesia me é estranha. Pois a poesia, com certeza, é formada de incertezas.
o senso-comum é o travesseiro que todos apoiamos a cabeça na hora de dormir.

domingo, novembro 9

O que é a poesia?

Toda pergunta tem sua resposta. Se não a encontrou é porque não procurou na poesia.

Camelos Também Choram.

Em meio aos mongóis, vestidos com seus gorros Adidas e belos vestidos de seda, onde a televisão é novidade, uma mãe negligencia seu filhote. O filhote, então, negligencia seu leite. Um violino é amarrado à corcunda da mãe e um velho o toca. Uma mulher canta. O camelo chora. O filhote consegue o leite e a mãe continua chorando. Uma das cenas mais lindas que já vi no cinema. Enquanto a areia dança ao vento... E no final, todos em uma só canção: a do alívio, do amor, do leite.

sábado, novembro 8

o mistério tem silêncio
som difícil de verdade

sexta-feira, novembro 7

gomo.

perdi a receita do suco de laranja.
perdi o pedir perdão?

não.
assim espero.

tic sem o tac.

tempo, tempo
cadê você?

preciso de você
mas gosto de não tê-lo
gosto de sentir falta
mas no fundo nao sinto falta

tempo, tempo
cansei de você

quero viver sozinha
furando, agulhetando (?), amando
quero viver sempre na hora do chá
quero sempre fumar e dessa fumaça sair meu verdadeiro eu
meu verdadeiro ser, e meu verdadeiro aprender

experiência? nenhuma
o que quero mesmo é com três colheres de açúcar,
obrigada.

sábado, outubro 25

Pára. Só pára.

segunda-feira, outubro 20

Para ler ouvindo Opus 36, de Dustin O'Halloran.

A pena em sua cabeça já não tinha mais sentido. Clara chorava sentada no chão enquanto retirava uma marca de terra de seu vestido branco de cetim. Seus olhos azuis refletiam a cor do vestido. Clara pensava no porquê chorava, Clara continuava a chorar. Estava sozinha. Perdera sua mãe, perdera a chance de novas sapatilhas, perdera sua dança. Seu dó, agora era de si mesma. Seu ré, agora era de sua vida, não mais de sua dança. Desistira de atar o laço. Desejava se soltar de todas as fitas, sua carreira não a permitia, precisava ser a rainha, precisava doar seus brioches, precisava ser mãe. Precisava das antigas sapatilhas, precisava dançar, precisava rodar até seus pés desaparecerem, e num sono profundo adormecerem.

(se você leu não ouvindo a música dita no título, você não realmente leu).

Para ler ouvindo Avril 14th, de Aphex Twin.

Ela tinha 11 anos, não sabia pronunciar a palavra espartilho, tentava dançar em suas sapatilhas. Mas sua mãe não lhe comprava novas. Ela precisava de novas sapatilhas, estavam apertadas. Seu laço azul na meia calça se desfazia. E Clara descia sua mão pela saia armada e, como se fizesse parte da dança, fazia um novo laço. O leque rosa abria e fechava de acordo com o dó menor. E suas pernas subiam e desciam de acordo com o ré. Clara dava ré de acordo com o dó e caía ao chão de acordo com o nó. Novamente desfeito, fazendo suas sapatilhas rasgarem, fazendo suas mãos tocarem seu rosto morno. Seus fios loiros dançavam de acordo com o vento, seus pés cansados adormeciam enquanto Clara tentava se equilibrar novamente. Não conseguindo, Clara deixava seus braços penderem e pedirem por descanso. Clara caía novamente, dava um novo laço e entendia que o não entender era o caminho para o entendimento do tédio. E lá estava ela a dançar novamente. Para o homem da primeira fila...

(se você leu não ouvindo a música dita no título, você não realmente leu).

quarta-feira, outubro 15

What ever Happened?

Quando um amigo me contou um sonho:
“eu e meu amigo tínhamos criado em nossa frente um mar de ruffles e ele dizia: não imaginei que seria dessa forma, não imaginei que seria dessa forma, não imaginei que seria dessa forma.”
Acho que um mar de alguma coisa gostosa nunca será da forma como imaginamos. Seja ela ruffles, chocolate, feijão, sentimentos ou até mesmo uma pessoa.
Você vê o mar na sua frente, se sente protegido pela falta de poluição, pela cristalinidade da situação e se joga. E é quando você vê que o mar era uma poça.

de que é feito o mundo?

Estou feliz porque estou saindo de casa todos os dias,
Estou feliz porque estou me arrumando a cada dia com uma roupa diferente,
Estou feliz porque o sol abriu, porém sem fazer muito calor,
Estou feliz porque o mundo anda mais feliz.

Hoje a rua cheirava bem.
Fazia tempo que não sentia um cheiro bom.
Normalmente rua fede, o mundo fede.
Hoje ele estava cheiroso. Mais do que ‘cheirável’.
Estava harmonioso.

Já não vejo mais tanta tristeza no mundo quanto via na semana passada e na retrasada.
É, devo estar amando...

Areia No Pé.

Estou me sentindo bem hoje.
Não foi um dia especial, não encontrei com meus amigos, não brindei a nada, não fiz nada predileto, não falei com tanta gente. Estava sol, não fui à praia. Tempo que não vou à praia. Saudade da areia no pé. O que fiz hoje foi música. Passei a tarde lendo e tocando violão. Toquei muito, tirei músicas das quais não esperava nunca tirar. Fiquei feliz por isso. Liguei o lap top e ouvi Ella Fitzgerald. E agora Paulo Moura e Yamandú Costa. É... estou me sentindo em paz. Comigo, com meus sentimentos que sempre me atrapalham. Tenho aula amanhã e não ligo. Estou bem. Estou feliz. Estou pensando na sexta, estou pensando no sábado e estou pensando nas férias. Estou pensando em você sim, mas estou bem. Momentâneo? Provavelmente. Mas e daí? Eu estou feliz.

sábado, outubro 11

Me, Myself and I.

todo poeta é nosso amigo. Poetisa não posso ser, nunca poderia ser amiga de todos. Nunca poderia estar ali, sofrer ali, sorrir ali, presentear ali. Sou apenas eu. Sozinha, escrevo. Sozinha, durmo. Sozinha, choro. Sozinha, vivo.

Pequena Lice.

"Se esse mundo fosse só meu, tudo nele seria diferente. Nada seria o que é, porque tudo seria o que não é e também tudo o que é por sua vez não seria e o que não fosse... seria não é?"(Alice no País das Maravilhas).
Alice gostava de conversar com sua gata Diná sobre Los Hermanos:
- Só terá deles aqui, e um pouquinho de mim.
Alice gostava de conversar com sua gata Diná sobre coisas como seu mundo, sua maneira de pensar, suas filosofias: - Sempre achei que a palavra "homossexualismo" se dizia "homosocialismo". Não entendia a ligação de Stálin ou Lênin a homossexuais, achei que eles tinham um caso. Mas, eles eram rivais, então nada fazia sentido. Na verdade, nada faz sentido. Não faz ainda, e não fará. Concorda comigo, Diná?
Alice gostava de conversar com sua gata Diná sobre amor: - Amor convicto: Não há nada como um amor convicto; amar e ter a certeza absoluta a cada dia do quão forte e verdadeiro este amor é. Correspondido ou não, que seja verdadeiro.
Alice gostava de conversar com sua gata Diná sobre divórcio: - "Se a gente já não sabe mais rir um do outro, meu bem, então o que resta é chorar". Deve ser isso que acontece né, Diná? Os casais param de rir um do outro e ver graça na relação. E depois, a vida também perde toda sua graça. Só não sei pra onde essa graça vai. Você sabe?
Alice gostava de conversar com sua gata Diná sobre música: - Toda Bossa é nova e você não liga se é usada.
Alice gostava de conversar com sua gata Diná sobre o Coelho Branco: - Antes de te ter e de ser tua, o que eu queria? O que eu fazia? O que mais? E alguma coisa a gente tem que amar. Mas o que, não sei mais. Diná, eu o sigo mas não adianta! Ele não espera por mim!
Alice gostava de conversar com sua gata Diná sobre o tempo: - Nessa espera o mundo gira em linhas tortas. Vou acordar para o tempo e pedir para ele parar, só um pouquinho, pra ver se alcanço meu coelho.
Alice gostava de conversar com sua gata Diná sobre a morte: - Um século, um mês, uma hora. Será que recebemos um aviso dela e ninguém repara? Ou quando reparam já está muito em cima da hora e não tem como voltar atrás?
Alice gostava de conversar com sua gata Diná sobre o vento: - O que mais gosto dele é o barulho. Sonho ver o som. Mas como pode alguém sonhar o que é impossível saber?
Alice gostava de conversar com sua gata Diná sobre gente maluca: - Mas eu não quero ver gente maluca! Por que o Senhor Gato só me mostra caminhos pra pessoas malucas? Chega de Chapeleiros e Lebres caducas!
Alice gostava de conversar com sua gata Diná sobre Deus: - Se o céu é um maravilhoso lugar para se ir depois de morto, então porque ser crucificado é considerado um sacrifício tão grande?
Alice gostava de conversar com sua gata Diná sobre a primavera: - Pois eu, eu só penso em você, Dona Primavera! Já não sei mais porque em ti eu consigo encontrar um caminho, um motivo, um lugar pra eu poder repousar meu amor.
Alice gostava de conversar com sua gata Diná sobre perder alguém: - Quem sabe o que é ter e perder alguém? Quem sabe o que é ver quem se quer partir? E não ter pra onde ir. E ele segue seu tempo. Tic Tac, Tic Tac. Mas parece que não faz diferença ter alguém ali gritando: "Seu Coelho! Seu Coelho espere! Espere por mim!".
Alice gostava de conversar com sua gata Diná sobre sexo: - Deve ser bom, né Diná? A única vez que gozei veio aquele negócio branco. Senti-me bem, estava a tomar chá quando ele apareceu e aconteceu. Você sabe, o Coelho Branco.
Alice conversava com sua gata Diná sobre a Rainha de Copas: - Acho certo exagero ela querer tantas cabeças, mas tudo bem, não me importa. Ela não pegou a minha.
Alice gostava de conversar com sua gata Diná sobre os humanos: - Eles têm a carne trêmula, mais nada. Considero isso um grande vácuo na vida. Humanos tão distantes entre si, mas o que posso fazer? Eu sou um deles.
Alice gostava de conversar com sua gata Diná sobre o fim: - Já?

O Vento Falante.

Quando ouço música, ela não entra apenas pelos meus ouvidos. Ela passa pela minha roupa adentrando pela minha pele, os cabelinhos do braço ficam todos em pé, os cabelos se mechem não sabendo pra onde ir, o meu cérebro funciona de outra forma, ele maquina a música, a música entra lá e o lá entra na música. Ela causa um frisson, erótico ou não, em todo o meu corpo, dobro os dedos do pé procurando um lugar para me apoiar, nada mais importa. O que sinto, não é sentimento, é a procura de algum, mas no final, nada acho. Não importa, o que quero mesmo é ver a música. Impossível, não se vê música. Música é para ser ouvida, mais nenhum outro dos cinco sentidos. Mas quando ouço música, uso todos eles de uma vez só. A ouço, A vejo, A sinto, A farejo, A degusto. Quando entra pelos meus ouvidos faz a desarrumação arrumando tudo lá dentro. A vejo pelo vento, ele me mostra todas as notas, palavras, desafinações, tudo, tudo que sai dali. A sinto pelo corpo todo, e pelas coisas em volta de mim, reparo a minha volta na reação das pessoas, estando elas ouvindo a música ou não. Sinto-a passando por todo meu corpo, preenchendo todo o espaço, subindo pelas minhas pernas, passando pelas genitais, dando frio na barriga, encolhendo meus seios, dando um sorriso no rosto, A cheiro quando passa pelo meu nariz, música boa sempre cheira bem, cheiro tudo, todos sabem, principalmente a música, ela cheira bem. As novas normalmente têm cheiro de plástico de lojas, as antigas ou de naftalina, ou de livros envelhecidos e amarelos. Chega a meus cabelos e eles dançam juntos, sem pedir permissão, eles puxam minha cabeça de um lado a outro e obrigam meu corpo todo a fazer o mesmo. Acabo cedendo, e danço essa dança que a música proporciona em alguns.
Quando ouço música, as ruins: não ouço, não vejo, não sinto, não farejo, não como. Meus cabelos despencam e preciso encher os pulmões de ar, para simplesmente suportar.

domingo, outubro 5

Por que Não Morrer?

Com medo de chegar atrasada ao cinema, louca para ver Gus Van Sant e Walter Salles juntos num mesmo filme discutindo o próprio cinema, o metrô pára na estação do Catete. As portas se abrem, fecham. E se abrem de novo. Gritos são ouvidos, alguns curiosos põem a cabeça para fora. Mais gritos. É ouvida a palavra “fogo” e todos saem correndo dos vagões, inclusive eu. O cheiro e a fumaça ocupam toda a estação, ninguém corre, o fogo é mais ao longe e nem as labaredas são possíveis de ver. Alguns gritam, outros riem, outros, como eu, reclamam do atraso que terão. Tudo estava até calmo. Não havia caos.
Ao me defrontar com a idéia de morrer fiquei muito tranqüila. Obviamente seria difícil morrer em tal situação. Caso o fogo fosse mais alto e se espalhasse, sim. Seria o caos e todos seriam correndo e eu poderia ser facilmente pisoteada, e morta. E ao pensar em tal probabilidade, me preocupei apenas com os filmes não vistos, com os livros não lidos, com as músicas não ouvidas. Mas no fundo, não me preocupei com nada. Pensei que se eu morresse não estaria perdendo nada, afinal estaria morte depois e não sentiria falta de não ter vivido um pouco mais. Claro, isso se não houver mesmo nada após a morte, mas isso é outra polêmica. A questão é que eu estava preparada para morrer. Sem medo de como e por que. Simplesmente preparada. E acho que estava tão bem assim, por sentir que estou vivendo. Literalmente vivendo. Sem medo do passado ou futuro. Vivendo ao pé da letra, e assim, se eu morrer amanhã, já terei vivido.
(cheguei a tempo do filme).

Maio de 68.

Sou a terceira pessoa a entrar na sala. Dois velhinhos estão em lados opostos e decido sentar relativamente no meio deles. Uma mulher e um senhor entram, pareciam pai e filha. Ela, à frente, escolhe o lugar, ele senta com um suspiro e diz algo o qual não entendo. Ela, impaciente, pergunta se o lugar é ruim, ele diz que não sabe, ela diz:
- Não dá pra ver?- apontando para a tela.
Entra um jovem casal. Tanto ela quanto ele, lindos. Entra um adulto, na casa dos 25. Aparentemente sozinho, como eu.
Silêncio. Cadê a música simpática de espera? Todo cinema devia ter. Ou não. Tais músicas poderiam incomodar e muito. Afinal, é o cinema que reúne a maior variedade de pessoas. E elas não necessariamente compartilham o mesmo gosto para música.
Gostei do documentário. Me fez ter uma maior noção da tortura por parte dos policiais aos estudantes. Mas senti falta de explicar os motivos para as revoltas estudantis. Sorte minha conhecer o assunto. Mas e os que o desconheciam?
Ao sair, ouço uma voz conhecida. Está tocando Björk e eu sentada numa daquelas gigantes cadeiras de palha. Me deixo confortável e me preparo para as duas próximas horas de espera até o próximo filme: Paris. Voltarei para casa falando francês. Dou uma lida no livro de português tentando me preparar para a prova do dia seguinte, mas não consigo. Queria poder encostar e dormir. Mas penso em como fazer com que minha mãe pare de fumar. Aos poucos ela está se matando. Gorda como nunca, fumante como nunca, trabalhadora como nunca.
E então, começa a tocar Love Is A Losing Game. A canção mais verdadeira que ouvi nos últimos meses. Ninguém entende esse meu vício pela Amy, mas é que simplesmente encaixou perfeitamente na época em que minha vida se encontra. Ela canta o que eu penso, ela chora o que eu sinto. E para minha felicidade Me and Mr John começa a tocar, parece que várias músicas dela tocarão. E não estou mais sozinha. Pelo contrário, estou sozinha, mas ao lado dela.
A criança descobre seu reflexo e não consegue parar de rir. Amy toma seu primeiro pé na bunda. O homem me observa escrevendo. Continuo cantando. Olho para ele e ele faz um gesto indicando querer minha caneta. A empresto. Ele elogia minha camisa do filme Laranja Mecânica e termino de cantar Cherry. Meu relacionamento com ela acabou de começar e não é nenhum admirador de Kubrick que irá mudar isso.

Mais Uma Canção.

Me lembro quando ouvi All My Love, do Led Zeppelin pela primeira vez. Nem pensava em te conhecer, nem pensava em sua existência. Talvez eu pensasse que um dia amaria muito alguém, assim como te amei, amaria tanto que até doeria de tanto amor. E ao ouvir tal música, eu conheci outra pessoa, e foi bonito. Ele me fez gostar mais de Led Zeppelin, e desde então não desgrudei. Ouvia all of my love to you e gostava cada vez mais dele. Mas criança que eu era, não sabia o que era amor. Só fui saber com você. E sou grata a ele, sem ele não teria te conhecido. Não saberia o que é o verdadeiro amor. Às vezes penso: vai ver ainda não sei o que é isso. Sou nova, vai ver ainda não amei tanto alguém, e penso isso já que, até agora, você foi o mais forte. E no final, isso é que é o amor: Uma comparação a todos os outros para saber qual foi o mais forte, o mais verdadeiro.

“Eu não nego, eu me entrego, você é meu grande amor”.
E agora eu só preciso de mais uma nova canção.

Sinfonia Inacabada #2

No metrô, voltando para casa, vejo um homem olhando em minha direção. Cabelos negros, oleosos, camisa laranja, jaqueta de couro azul escura, gravata listrada verde musgo e bege, calça social preta e sapatos de couro marrons. Saído de um filme.
Chega a minha estação, desço do trem e ao subir as escadas, vejo que estou pisando nas palavras de Graciliano Ramos, estou pisando em Fabiano e em sua família. E em sua comemoração de 70 anos.
A música do ônibus faz com que o filme que acabei de ver continue presente em minha mente. A duquesa era uma mulher muito forte. Lágrimas foram ensaiadas, mas as segurei. Tirem essa caneta de minha mão! Ela só trás lembranças das quais quero não mais lembrar.
Todos comportados a minha volta. É tudo tão organizado e harmonioso. Os pés do executivo ao meu lado conforme a música clássica dança em nossos ouvidos. O ônibus anda e eu olho para o banco na rua, no qual eu vi meu mendigo pianista anos atrás pela primeira vez, ainda não escrevi sobre ele, falhando com meus prazos. Nunca funcionei com eles, não há por que tentar segui-los.
A música não acabou e o meu ponto é o próximo. Droga, odeio interromper uma sinfonia. Todas devem ser ouvidas até seus devidos finais.

quarta-feira, outubro 1

Sinfonia Inacabada.

Ir ao cinema ainda pode ser doloroso para mim. Principalmente sendo o festival do rio. Lembro do nosso primeiro juntos. Escolhemos poucos filmes, nosso amor estava apenas começando. Era exatamente como nas histórias de cinema, um amor de poucos anos que dava seus primeiros passos. No nosso segundo festival, o amor já havia crescido. Amadurecido em todos os sentidos. Segredos haviam sido revelados, roupas haviam sido tiradas, metáforas haviam sido criadas e meu amor por você continuava crescendo, e poderia continuar até que alguém me impedisse.
E esse alguém só poderia ser você. Você e ninguém mais para destruir o que construímos. O que deixamos florescer em momentos tão fáceis de viver. Saíamos de uma sessão, íamos para sua casa. No sexo, você atuava de acordo com o filme. Ele continuava em nossas cabeças, e agíamos como seus personagens. Levantávamos da cama, comíamos algo rápido e corríamos para a próxima sessão. Corríamos pelo Rio de Janeiro em busca do nosso maior vício, nosso maior crime, nosso maior medo, nosso maior receio, nosso maior devaneio, nossa maior realidade, nossa maior mentira.
Não éramos como todos os casais, íamos porque gostávamos de ver a obra, não pelo escurinho. Nossas línguas se encontravam, mas se separavam rapidamente. Ficávamos vendo o rosto das pessoas no término do filme. E dávamos todos os beijos que não conseguimos dar, hipnotizados pelo filme. Mesmo os ruins, principalmente os ruins!
Agora, ando mais solitária. Menos dinheiro, menos filmes, menos companhia. Mas gosto de ir sozinha, até prefiro. Tenho minha própria noção das coisas e não preciso obrigatoriamente compartilhar com ninguém. Mas sim, sinto sua falta.
Às vezes eu fazia a sua barba, às vezes você fazia minha massagem, às vezes eu brincava de lutinha e você sangrava, às vezes você me amava, às vezes eu te odiava, às vezes você amava eu te odiando e às vezes eu amava você me odiando. Às vezes eu te amava, às vezes eu te amo.

domingo, setembro 28

Sex and The City Without Sex.

O que fazer quando um dos seus melhores amigos te chama para ir ao cinema ver um filme que, cá entre nós, não te interessa muito?
Dizer sim é claro.
Primeiramente, Sex and The City não era uma opção tão repugnante a ponto de negar o convite de meu amigo. Os casos e descasos das quatro amigas em New York sempre me interessaram na tevê. Por que o filme seria o contrário? Talvez por muito provavelmente ter todos os clichês que a série deixava de fora, ter um final previsível e ter um amigo do lado que já vira o filme duas vezes.

Combinamos de nos encontrar em botafogo, minha idéia era ver o filme no bairro mesmo, afinal estávamos lá. Mas ele insistiu porque insistiu em ver no Largo do Machado, a sessão era mais cedo e ele não podia chegar muito tarde em casa. OK, por que não? Fazia algumas semanas que não andava por aquelas bandas.
No ponto de ônibus, esperando e esperando, já meio preocupada com o horário do filme, passa um ônibus que seguiria um caminho diferente, porém não mais demorado. Apenas nos deixaria a alguns 30 passos do cinema.
- Ah não, os outros deixam na porta!
- São só alguns passos cara! Dá no mesmo, melhor do que esperar os outros.
Eu, crente que meu amigo me seguiria na tristeza e na felicidade, subi no ônibus. Olho pra trás e lá está meu amigo dizendo que não ia subir, que não era o ônibus certo e blá.
Confesso que ri da situação. Não sabia se pensava se ele era um idiota em não me seguir ou se eu era a idiota em não descer.
Enfim, um tempo depois ele me liga perguntando onde estava. Eu, já dando meus trinta passos, disse que estava chegando. Ele disse o mesmo. Ao chegar fui direto comprar os ingressos, e para minha extraordinária surpresa vejo que o filme não está passando lá. Eu não sabia se ria ou chorava, já estava ficando nervosa. Ver Sex and The City no cinema não deveria ser tão complicado.
Ao me encontrar com ele e contar o ocorrido não acreditou em mim e foi conferir. Eu não subiria aquelas escadas de novo nem que me pagassem! Pra ver um filme que eu já não tinha muito vontade e mais! Um filme que não passava lá.
Ao descer ele fez uma piadinha que não queria mais ver o filme ali. Achei o momento mais que apropriado e disse:
- Você não é meu amigo. Você não confia em mim. Eu disse primeiro pra gente ver lá em botafogo, já que já estávamos lá. Aí você não confia que o ônibus dava, era só andar um pouco. Deu uma de riquinho e quis pegar outro que deixava na porta, assim não dá.
Resolvemos voltar pra botafogo com unanimidade. Chegamos lá, compramos os difíceis ingressos e ficamos esperando. Sim, ele é divertido. Afinal, é dos melhores amigos. Mas o pior ainda não tinha passado. Rindo das cantadas e olhares sórdidos que ele lançava pra lanterninha que pegaria nossos ingressos esperamos até o filme.
A sala abriu, entramos e sentamos. Parêntesis aqui, que raio de música é essa que toca no Cinemark enquanto esperamos o filme começar?! Cada coisa... O Arteplex além de passar filmes mais interessantes tinha umas músicas dos filmes de Chaplin, o que era bem melhor do que Jorge Vercilo e óperas com homens cantando com um quê de eletrônico no fundo.
Meu amigo, pertencente à sociedade, tirou seu ipod do bolso, ouvimos o que gostávamos em comum, que era bem pouco, e os trailers começaram.
Desde o início ele já estava reclamando que todas as pessoas vinham sentar perto da gente, eu assumi que tínhamos um ímã escondido em algum lugar e que era para ele se calar que o filme já ia começar. E como uma boa cinéfila, odeio quem fala durante o filme.
Passando os trailers e anúncios, que cá entre nós, há muito mais anúncios agora do que trailers no cinema, o que é um absurdo. Já basta a tevê para por em nossas cabeças que precisamos tomar Coca Cola e ir a tal restaurante. Enfim, acabando tais chatices ele disse: “Acho que vai começar, estou sentindo que vai começar.” Fiquei quieta, já era hora de se calar. Confesso que pensei se teria sido um erro ver o filme ao lado dele, já que já o havia visto duas vezes. Mas relaxei e comecei a ver as graças e desgraças de Carrie, Samantha, Miranda e Charlotte.
Sobre o filme: achei bom até. Podia ser bem pior, bem que a crítica estava boa. Sim, eu acreditava na crítica, sempre concordei. E já deixei de ver filmes pela crítica, minhas amigas sempre discordaram de mim dizendo que era um absurdo já que era a visão de outras pessoas. Mas a verdade mesmo é que elas não gostavam, pois sempre falavam mal dos filmes “água com açúcar” delas e bem dos meus dramas políticos policiais. O mais legal do filme são as roupas, saí de lá louca pra fazer comprar nas marcas citadas e claro, sentar com minhas selecionadas amigas e conversar sobre homens, quem sabe mais tarde.
Durante o filme: O primeiro ocorrido, foi ao mostrar uma cena razoavelmente quente de sexo. Meu amigo botou a mão no meu braço e rindo disse que uma velhinha próxima a ele estava com uma cara muito engraçada cobrindo o rosto para não ver a cena. Ele ria insistentemente me pedindo para olhar. Olhei, e dei uma risadinha educada. Depois da bela noiva com um vestido mais lindo ainda ser largada no altar, e a “cena triste que faz nossos corações doerem um pouco e nossas glândulas exócrinas lacrimais produzirem um pouco mais rápido seu produto”, o telefone dele se acendeu. Ele pegou e abriu, botou no ouvido e disse bem baixinho: estou no cinema, me liga depois. Quase morri. Se tem algo que eu odeio no cinema é o telefone tocar (estava no silencioso, mas a luz em si já incomoda) e mais ainda é a pessoa atender ao dito cujo! Não pode deixar tocar? Obviamente, para a minha sorte a pessoa do lado de lá não escutou uma palavra do que ele disse e teve que ligar de novo. Obviamente, para a minha sorte ele quis atender de novo, e obviamente, para a minha sorte ele começou a conversar com a pessoa, dizendo: “pode falar, eu já vi esse filme. Quero saber o que aconteceu...AAAAAHHH, SÉÉRIIIOOO? E agooora? Caraaamba!” Eu sem paciência, querendo matar meu amigo disse quase gritando: “Desliga essa porra agora” e fiquei repetindo insistentemente até ele desligar. O telefone parou de nos incomodar e ele parecia ter se ajeitado na poltrona. Estava eu curtindo o filme de novo quando de repente ele vira pra trás e começa a rir. Segura no meu braço de novo com toda a força e diz: “Cara, tem um monstro ali atrás, é sério, não to brincando, um monstro cara”. Eu já puta nem educada quis ser, não olhei e tirei meu braço dali. Continuei vendo o filme. Até que eu estava gostando, sabe. Não satisfeito com eu não ter dado bola na última interrupção, chega uma cena em que ele, já sabendo alguns diálogos de cor, resolve falar a fala antes dos atores, isso é outra coisa que odeio. Licença, eu ainda não vi o filme! Reclamei e ele pediu desculpas. Continuei o filme. Nas partes em que ficava implícita uma risadinha de fundo ele sempre ria. Eu, sinceramente, não entendia. Era a terceira vez que estava vendo o filme, como assim! Sex and The City era tão engraçado que uma mesma piada tinha a mesma graça três vezes?! Vai ver meu humor era muito sofisticado, vai ver eu era muito metida para rir de todas as piadas. Ele começou a reclamar que a velhinha próxima a ele não parava de rir. Ela ria da piada e ria do cachorrinho indo a porta receber o dono. É, devia ser irritante, odeio gente infeliz assim que resolver dar todas as risadas da semana num cinema. Mas vai ver ela era assim, e isso era triste. Mas ele não se importava com a amiga que estava ali tentando ver o filme mais puta impossível. Chegando ao fim o filme e eu tendo adivinhado boa parte das piadas antes delas acontecerem, não adivinhei de cara o fim. O que me deixou feliz, já que nesse tipo de filme eu sempre sei. O engraçado, é que o fim foi como é em todos, como eu sempre adivinho. Não sei por que acreditei que poderia ser diferente e não me senti mal em terminar como deveria terminar, achei legal o filme dar uma impressão diferente e no final acabar terminando bonitinho. De certa forma, era diferente dos outros, mas terminava igual. O negócio é: tal tipo de filme começa, você conhece os personagens e passa o filme inteiro sabendo que terminará de tal jeito. Assim que os problemas apareceram no filme eu pensei: “ta, vai acabar como sempre acaba, tudo feliz no final”, mas fui mudando de idéia, achando que não, poderia ser original e terminar diferente. Não terminou diferente, mas foi original por me fazer pensar isso. O que deixa o filme ser bom para todos. Para os que não agüentam esses clichês dos “água com açúcar” e para os que precisam ter um final feliz, se não o programa foi perdido.
Voltando ao amigo, a gota d’água, se é que já não estava na terceira gota, foi ao término do filme. Sabem quando a câmera vai subindo, as quatro amigas estão rindo, e começa a mostrar outras mulheres, e a locução de Carrie (como na série) vai chegando ao fim e você pensa: o filme acabou. Mas nunca sabemos ao certo. Dessa vez eu soube. Mas da pior maneira possível. Meu querido amigo, ao subir a câmera com Carrie ainda falando! Vira e diz: “pronto, acabou. Você quer ver os créditos?”
Ah, eu morri. Broxei. Simplesmente não acreditei. Já estava convencida de que não ia mais ao cinema com ele ver filme que ele já tinha visto e agora me convencia por completo de que não dava mais ir ver filme algum ao lado dele! Aí ele olhou pra minha cara e disse: “é sério, acabou. Eu já vi esse filme.” EU SEI QUE ACABOU, OBRIGADA. Juro que me deu vontade de ver os créditos até o fim, mas a voz irritante da Fergie não me deixava ficar na poltrona. Ele quis sair correndo e eu, com toda minha calma e raiva contida fui pegando minha mochila, vendo se alguém me ligara durante o filme, catando meu lixinho (coisa que ele nem fez) e levantando calmamente. Ao sair explodi: “NUNCA MAIS”. Expliquei e ele em contrapartida disse: “ai, você é muito chata no cinema, bem que me disseram pra não falar nada se não você me matava, cheia de mania...”. E eu incrédula gritava na escada rolante: “ABSURDO, ALÉM DE FALAR O TEMPO TODO VOCÊ ATENDEU AO CELULAR, FICOU CONVERSANDO, DISSE FALAS DO FILME E AINDA DISSE QUE O FILME ACABOU ANTES DE ACABAR! NUNCA MAIS!” As pessoas em volta deviam achar que era uma briga de namorados ou amigos simplesmente, eu ria de vez em quando e os rostos em volta mudavam um pouco. Mas a raiva era grande.
Despedimos-nos e eu vi que nem sempre se dá pra fazer tudo com as pessoas que a gente gosta. Amigo não é tudo igual e não encaixa em todos os lugares. Vi que não dava pra ir ao cinema com ele, mas em contrapartida, ele era perfeito de se sentar, beber uma cerveja, comer Yakissoba e conversar sobre a vida.
Acima de tudo, valeu a pena. Afinal, a Miranda sempre foi minha preferida

O Que É O Amor?

Eu penso como se fosse um encaixar de duas pessoas que são um quebra-cabeça por si só – pequenos pedaços de todas as almas que já viveram – e cada uma, por um momento, vira uma só peça de um quebra-cabeça de duas peças.

Por Alguém que já não mais existe em minha vida.

quarta-feira, setembro 24

Rolling Up The Walls Inside.

Depois de um fim de semana de zumbi, tenho tentado dormir cedo. Pelo menos no meio da semana! Não consigo. Tenho que estudar/ajudar meu pai/escrever/ajudar meu pai/ir ao médico/terminar tatuagem/ajudar meu pai/comprar ingresso pro festival do rio/ajudar meu pai/ajudar meu pai.
Odeio rotina. Com todas as minhas forças. E sempre fui contra a ela. E continuarei sendo.
Estava andando hoje na rua e pensei: às vezes eu queria ser outra pessoa, por uma semana apenas. Pensar diferente, olhar ao redor de maneira diferente, me pentear diferente, pisar diferente, cantar diferente, ter pintas em lugares estratégicos ou não diferentes. Diferente! Sinto falta disso, dessa diferença.
Acho que cansei de mim.

domingo, setembro 21

Aula Curta de Culinária #2

Tenho que parar de cozinhar só de sutiã, sempre deixo respingar água fervendo em minha barriga. Aí dou um pulo para trás pisando na pata da minha cadela, sempre em volta do fogão em busca de comida. Além de evitar que os vizinhos me vejam semi-nua. O que fazer? Minha inspiração de sutiã é maior na cozinha. Além de olhar também para a cozinha dos outros. Além de o cor de vinho ser meu predileto.

segunda-feira, setembro 15

Aula Curta de Culinária.

Tenho que parar de cozinhar com minhas emoções. Elas sempre reagem quando eu fico só na cozinha. Preparando algo, lavando a louça. Começo a chorar perdida em lembranças, minha mãe me dá um abraço, diz que me ama. Tudo fica bem.
Fica?
Amanhã terei que fazer meu almoço.

domingo, setembro 14

Tem Perna Longa.

Hoje estava atravessando a Frei Leandro com um novo cartaz para meu quarto, pensando em peripécias desimportantes, tropeço e caio num buraco, meu pé torceu. Um carro quase me atropelou. O motorista parou, saiu do carro e me levou para o hospital, eu não conseguia andar. O nome dele era Lucas, alto, usava uma calça jeans, camisa preta da Orquestra Imperial e cursava o último ano de ciências sociais na FGV, tinha 28 anos e uma tatuagem incompreensível no braço. Eu, erroneamente, atravessava a rua num lugar sem sinal. Agora estou com o pé pra cima, enfaixado, enquanto o Lucas está fazendo uma massagem em mim cantando Iara.
(É tudo mentira)

quarta-feira, setembro 10

What a Little Billie Holiday Can Do.

Estava hoje eu a ouvir Billie Holiday, dobrando minha roupa limpa e bebericando água depois de uma barra de chocolate quando senti algo inédito: saudades da minha avó. Pode parecer algo ruim, nossa, ela nunca sentiu saudades da própria avó, mas é verdade. Não gosto dela, só que ela é minha avó. Por exemplo, se eu chegasse a ela e dissesse: Vó, tenho ouvido muito Billie Holiday, ela daria um sorriso pra mim e diria: hoje eu tomei cinco comprimidos, minhas pernas estão doendo, me ajuda a levantar? E eu a ajudaria. Se eu chegasse para o meu avô e dissesse o mesmo, ele diria: É? Legal, não me recordo muito bem, mas ela tem uma voz muito boa, não é? E conversaríamos sobre um jazz já esquecido por ele. Mas ainda assim, senti saudades dela hoje. Não estou carente nem nada, foi saudades dela falando mal da minha tatuagem e saudades dela me falando da planta da varanda dela e saudades das roupas breguíssimas que a cada semana ela usa e saudades de ver o quanto ela muda de perfume e saudades da mão gelada dela tremendo ao tocar meu braço. E ao perceber o que eu tenho em minha vida: Vó, te amo.

terça-feira, setembro 9

Defesa à Amy Jade Winehouse.

É, a defendo sim. Não porque sou uma fã incontestável, apenas por não ver nada de errado nisso tudo. A questão é: quando Amy Jade Winehouse disse que serviria de exemplo a alguém? Quando ela afirmou o compromisso de não beber, fumar, se drogar ao extremo? É a vida dela. Ela tem seus motivos para fazer tudo o que faz. E se não tem, só quer se divertir! O que já é um motivo.
Ao ver todo mundo só a conhecendo de nome por todas as besteiras que ela faz, me deixa bem chateada. Minha família vem me perguntar: mas você só se inspira nela na hora de se vestir, maquiar e pentear o cabelo, né? Nada além disso?... Não é ouvindo Amy que ficarei igual a ela. Se os adultos realmente crêem nisso...
Concordo no fato de ser falta de respeito aos fãs ela aparecer bêbada aos shows e não costumar freqüentá-los. Falta um profissionalismo. Mas quanto a todas as manchetes de: Amy Winehouse e seu pé sujo (acreditem, já vi isso); Amy Winehouse e seu sutiã preso por um grampo; Amy Winehouse só de sutiã no parque; Amy Winehouse drogada. Cara, foda-se o sutiã preso por um grampo, qual o problema? Você nunca fez isso? Só por ela ser uma celebridade não o pode fazer? Quem disse? Ao se tornarem celebridades, os famosos assinam um contrato afirmando que não farão mais determinadas coisas?(não deixarão mais seus pés sujos).
Quem são as pessoas pra dizerem que o que ela faz é horrendo? Simplesmente saem julgando!
“Oh meu deus, que mulher é essa?!” Tais pessoas nunca ouviram uma palavra saindo da boca dela e já a consideram reencarnação do diabo. Outro dia recebi um e-mail da minha tia assim: vejam o que as droga, bebidas, cigarro fizeram com Amy Winehouse. Aí várias fotos antes/depois. Mostrem aos jovens para impressioná-los e previní-los. ELA PRECISA SERVIR DE EXEMPLO A QUEM?

As pessoas gostam da música dela, por ser sincera. Ela canta da alma pra fora. Um exemplo disso é o fato de quase sempre chorar cantando Love Is a Losing Game. Por ser uma música pessoal, diz ela. Tem uma voz maravilhosa, e suas palavras são refinadas e ao mesmo tempo ‘sujas’ como qualquer mente de qualquer pessoa.
Se ela quer morrer cedo, deixa ela ué. É a vida dela, ela faz o que ela quiser. Eu sentiria falta, mas e daí? Ela não estaria nem aí. E essa atitude é o que faz alguns a amarem e outros a odiarem. Ter atitude para ir contra a maioria das regras éticas sociais é preciso culhões do tamanho de seu cabelo.

domingo, setembro 7

3 minutos.

Fiquei durante uns trinta segundos olhando para a panela. Vi a água borbulhar cada vez mais rápido, o miojo se mexia calmamente, ocupando seu lugar, enquanto a água abria espaço para evaporar.
Pensava se o que eu estava fazendo era certo, se adiantaria alguma coisa. Ficar sem falar com meu pai por um tempo, o necessário, faria com que ele mudasse em algo? Faria com que ele visse que estava errado? Ele nem sabia que eu estava sem falar com ele. Percebeu, apenas, que eu deixara de responder às suas conversas inúteis. E ao perceber, todo nervoso, que eu não queria conversar, disse:
- Ta nervosinha, é? Todo mundo tem problema, sabe? Não precisa ficar ignorando seus pais, e nos tratando mal. Cresce um pouco.
A questão é: ao dizer que precisava ficar no computador, porque precisava de tais letras e cifras naquele momento, ele quase me tirara à força de lá. Me tratou como se fosse um cachorro. “Ah, não Lú. Agora já deu. Cansei. Vai ter que sair.” E ao perguntar a ele o que de tão importante ele tinha para fazer no computador ele disse que queria ver seus e-mails, e suas músicas, que a minha mãe já estava chegando em casa e que ia precisar usar o computador, como sempre, que era um vício dela, que não conseguia saber a hora de parar, queria ficar no computador mais e mais e mais (ele não sabe o significado da palavra vício). E eu a defendi, disse que ela precisava trabalhar e pagar o que ele comia e onde dormia, ela só fazia tudo aquilo para nós três vivermos, e pra isso ela precisava do computador, ele não via isso. E ele, o ser mais egoísta que já vi: esse computador é meu e eu nunca consigo ficar com ele! É impressionante! Seu, pai? Perguntei rindo. Ele, gritando, disse que era dele sim. Eu ria quase chorando de raiva. Não acreditava naquilo. Pela primeira vez ele tinha algo (um computador!) e compartilhava com sua família. Mas ainda assim, não conseguia compartilhar totalmente. Precisava dizer que era dele, precisava me tirar dali a força. Levantei da cadeira, já não agüentava mais ouvi-lo me criticando e perguntando toda hora o que faltava pra eu escrever, simplesmente me expulsando dali. Se ele tivesse me tocado, não sei o que faria. Simplesmente encostado um dedo em mim, não sei o que faria.
Disse a ele que fiquei muito chateada, que ele não tinha noção do quanto me deixava chateada fazendo aquilo. Ele não disse nada, sentou no computador (a criança calou ao conseguir seu sorvete). Eu saí, sem dizer tchau. Passei o sábado inteiro sem trocar uma palavra, ele percebeu. Domingo, ao ir preparar meu miojo, ele disse tais palavras anteriores, e eu disse: eu falei pra você pensar um pouco, nem sempre as pessoas devem te dizer sempre o que está acontecendo.
Ele não tinha nem noção de que era com ele que eu estava chateada!
- Ainda é aquilo de sexta, do computador????- disse ele todo indignado.
Não nos falamos mais. Estou pensando se eu talvez devesse esquecer isso. As pessoas sempre se arrependem das brigas. Após a morte de tal pessoa, elas sempre pensam: por um motivo bobo, deixamos de viver. Mas o meu motivo não era bobo. Não era o computador. Era ele, era todo esse egoísmo assassino que ele esbanjava. Não agüentava mais. Ele era literalmente a pessoa mais egoísta que conheci, meu pai. Não queria me tornar igual, era meu maior medo.
Lembro que senti como se eu fosse a mãe dele, dizendo não ao não querer sair do computador. Um primeiro ‘não’ que ele estava levando. Esse era o problema, seus pais nunca haviam dito um ‘não’ em toda sua vida. Por um lado, não era culpa dele. Foi sua educação. Mas não devo ser só mais uma a passar a mão em sua cabeça e pensar: coitadinho, não é culpa dele. Ele simplesmente não vê que isso é errado.
Ele tem 54 anos, e quer ser tratado como uma criança. A criança que ele sempre foi. Eu nunca me senti a vontade de contar algo meu, algo que viesse dos meus sentimentos. Ele nunca dizia algo. O que ele precisava era de alguém que o ajudasse. Agora, que ia operar, só falava nisso. E sua mãe. Nunca consegui literalmente contar nada a ela. Está sempre com vontade de mostrar o quanto é doente e quantos comprimidos toma por dia.
Ele tem que aprender a conviver. Ou então acabará sozinho, eu me recuso a viver ao lado de alguém assim.
Então mergulhei o garfo na panela.
O miojo estava pronto.

sábado, setembro 6

Cherry.

Chego no colégio, e os poucos que sabiam já vinham me perguntando: é hoje? É hoje? Sim, é hoje.
Estava nervosa e ao mesmo tempo feliz. Não, não era felicidade. Era algo que nunca havia sentido antes. A tatuagem havia se tornado meu maior objetivo.
Foi algo difícil. Ninguém entendeu. Acho que ainda não entenderam, mas não tem problema. Sou eu que tenho que entender. Eu que a carregarei pelo resto de minha vida.
Meu pai disse:
- um dia eu estou com vontade de ir à índia, no dia seguinte não estou mais.
- pai, eu sou do tipo de pessoa que vai à índia.
Acho que o único jeito de viver e aprender com isso é fazendo o que se deseja. Claro, todos fizeram certo em me alertar e em ficar preocupados. Afinal, isso só mostrou mais o quanto se importam comigo e com minha felicidade futura. E mais ainda, com minha felicidade momentânea, já que muitos contribuíram.
Ao ter certeza que tal desenho sempre terá significado para mim, mesmo que eu, mais do que o meu corpo, esteja em constante mudança, nada mais importa.
Hoje, minha pin up tem uns 13 significados, amanhã terá 14 e daqui a trinta anos terá 20 ou apenas 2. Mas sempre o terá.

Ao chegar no estúdio, cumprimentei todos e disse que meus pais já estariam chegando para autorizar o início. Sim, 16 anos.
Quando a agulha tocou minha pele, fiz uma cara de: ai. Mas aos poucos fui acostumando com a nova sensação, algo que nunca havia sentido, era tipo um choque fraquinho. Vi que seria mais fácil do que pensava. Com uma mão embaixo da perna e a outra fechada com tanta força que ficou marca das minhas unhas e suando como nunca havia suado, fiz a tatuagem. Além de ser agradável, tive a presença de quatro amigos, dos dois pais e até do meu avô. Cada um passou por lá durante algumas das quatro horas e meia em que me deixava na mão de um homenzarrão todo tatuado e cheio de piadas.
Ao término, pensei: ainda quero muitas dessas.
O espelho se tornou um bom amigo e ao mesmo tempo o pior. Estou me esforçando para não ficar admirando-a a todo segundo.
E ouvindo uma música hoje, chamada Cherry, me dei conta:
‘Her name is Cherry, we’ve just met, but already she knows me better than you. And when I’m lonely, Cherry is there, and she plays along while I sing out my blues. So I got me a new best friend, and Cherry is her name.’
E agora, tenho uma felicidade interna (e externa).

Afinal, fui à Índia.

Humano.

Massacre
Genocídio
Morte
Turbilhão
Fantasia
Oi?

Tchau.

terça-feira, setembro 2

Fragmento de Uma Lembrança #2

Me lembro que ficava a janela esperando por você. Avistava do alto seu tênis colorido, checava o odor do meu hálito e me metia por baixo das cobertas fingindo estar dormindo. Ouvia a porta correr, sentia seu cabelo e sua barba por fazer em minhas bochechas. Gostava de acordar sentindo cócegas e você sabia disso, embora eu nunca tivesse lhe dito. Eu dava um sorriso, ainda de olhos fechados. Você me beijava, e eu me rendia abrindo os olhos.

Gostava dessa rotina, a única que eu agüentei por tanto tempo.

quarta-feira, agosto 27

Elogio das Lágrimas.

Ao ouvir tudo o que ouvi deles, meus melhores amigos, ali, preocupados comigo, senti o mesmo de quando ouvi algo relativamente parecido, meses antes, mas da boca de outra pessoa. Senti como se estivesse perdendo a coisa mais importante da minha vida. Senti o medo da solidão. Uma solidão que eu achava que já havia visitado. Mas não tinha nem idéia. E que sem eles, eu a experimentaria.
Quando veio da boca da outra pessoa, eu levei em conta, mudei (achava eu) e ficou tudo bem. Mas no fundo, a outra pessoa também precisava mudar. E sem a mudança mútua, nada mudou.
Vindo da boca das pessoas que mais me apoiavam, tanto antes e principalmente agora, levei um susto maior. Já que nem a outra pessoa eu tinha mais. Só me restava a eles. Como não pude perceber o que fazia com eles e comigo mesma? Senti como acabando um relacionamento. Um, de poucos meses, mas que já era muito importante. E outro, de 14 anos. Chorar? Chorei.

“Ao chorar, quero impressionar alguém, pressioná-lo (‘veja o que você faz de mim’). Talvez seja – e geralmente é – o outro que se quer obrigar desse modo e assumir abertamente sua comiseração ou sua insensibilidade; mas talvez seja também eu mesmo: me faço chorar para me provar que minha dor não é uma ilusão: as lágrimas são signos e não expressões. Através das minhas lágrimas, conto uma história, produzo um mito da dor, e a partir de então me acomodo: posso viver com ela, porque, ao chorar, me ofereço um interlocutor empático, que recolhe a mais ‘verdadeira’ das mensagens, a do meu corpo e não a da minha língua: que são as palavras? Uma lágrima diz muito mais. “
“...” Roland Barthes/Schubert.

segunda-feira, agosto 25

Velhos Barbudos Vermelhos.

Acho que no fundo, é isso que ela quer. Quer ser infeliz, quer ser paparicada, quer atenção, quer ser a coitada que precisa de ajuda para andar. E se isso a faz feliz, por que não dá-la? O negócio é que isso não a faz feliz. Ou faz? Será que alguém é realmente feliz sendo infeliz? É possível esse modo de felicidade?
Será que ela realmente sente essas dores? Será que ela realmente não consegue andar? Acredito que sim, mas que isso tudo está na cabeça dela. Ao ver a possibilidade de um bicho estranho pousar em sua cabeça, num pulo sai correndo para outro cômodo.
Ela fala sobre a morte dos familiares como algo muito próximo dela. Prefere ficar em casa, e sonhar com a própria.
Mas o que espero de alguém que já desistiu?

Afinal, ela acredita que a Alice (do País das Maravilhas) seja comunista.

sábado, agosto 23

Roteiro Rotineiro.

No cinema, gosto de sentar atrás. Sempre gostei. Acho que quando era pequena, gostava porque a visão de lá era melhor, além de apostar corrida com minhas amigas na escada. Porém, a razão agora tornou-se muito mais poética.
Gosto, primeiramente, de ver cada um, olhando as poltronas e escolhendo seus lugares. Pensando no motivo de tal pessoa preferir tal lugar. Costumo fazer isso quando estou só, prefiro ir ao cinema só, prefiro dançar ao lado de Fred Astaire na minha imaginação. Após cada um pegar seu lugar, me posiciono (relaxo) na poltrona, apoio meus pés na da frente e me transformo no filme. Gosto de sentir exatamente a mesma sensação que a personagem sente.
E ao final da sessão, deixo cada pessoa levantar, olhar em volta, ir embora. Gosto de ver seus olhos, e suas mãos. Seus gestos, a direção que cada lágrima ou cada sorriso ou cada raiva gira em torno de seu corpo. Gosto de ver a verdade. Aos sair do cinema, ninguém está mentindo. Eles são reais e sinceros, acima de qualquer coisa.
Ah... Quem dera a vida ser um filme, e nós, os protagonistas.

domingo, agosto 17

Cores, Cores e Cores.

Apaguei meu vigésimo cigarro. A noite parecia bem mais longa do que realmente era.
Olhava a mesa tentando me distrair com o resto de café entrando pelos espaços da madeira. O dálmata estava quieto apoiando a cabeça pintada sobre suas patas. Encontrava-se em frente à porta. Parecia que esperava alguém.
Olhei para cima e me deparei com o lustre verde que balançava de acordo com o vento. Ora eu via os retratos na parede, ora não. Ora via minha mão procurando um cigarro no bolso, ora não.
Fazia três dias que decidira parar de fumar. Mas agora já não fazia muita diferença, então me deixei tomar pelo desespero da nicotina e da sensualidade trazida pelo cigarro a uma mulher. Não me sentia poderosa naquele momento. Na verdade não sentia nada.
Levantei-me, a esta altura já desistira do cigarro. Fui ao encontro de um retrato na parede com minha caneca roxa na mão. O retrato era meu, lembrava bem daquele dia. Eu, com 17 anos, andava pelo quintal na casa de meu namorado da época, o chão estava cheio defolhas, era outono. Estava sentada em uma cadeira olhando para meu pé, pois algo havia entrado nele. Uma farpa se me lembro bem.
A foto estava limpa, nem um pouco amarelada pelo tempo, com suas respectivas cores. Branco, preto, branco, preto. Sempre foram minhas cores prediletas. Mas agora, depois de tudo, acho que o roxo está presente, mais que a junção de todas as cores e a ausência delas. Minha caneca era roxa. Mas ainda assim havia o café preto dentro dela. E o cigarro branco apagado sobre a mesa, num cinzeiro verde. Era melhor então eu me decidir pelo verde, simplesmente mais fácil. Fazia um tempo que eu optava pelas coisas mais fáceis, mesmo decidindo parar de fumar. A facilidade das coisas deixava minha vida mais simples e fácil de lidar.
Fiquei a observar por uns minutos a foto, a caneca roxa pedia para ser posta de lado. Além de fumar bastante, naquele dia eu já havia tomado também muito café. Podia sentir a cafeína agindo em meu organismo. Dizem que café ajuda a pessoa a viver mais. Não sabia se devia acreditar nisso naquele momento. Estava tão confusa. Confusa, mas conformada, o que me deixava confortada.
Voltei a me sentar, agora em outra cadeira, em frente à antiga. Era uma nova visão. Uma nova maneira de ver as coisas. Talvez eu estivesse exagerando, mas gostava de pensar alto, é bom para o ego.
Encontrava-me no silêncio, no silêncio absoluto. Nenhum barulho, nem o das corujas lá fora, nem do Zeca, sim, o dálmata, nem de música.
Como morava no meio do nada, o chamado Fim do Mundo, sempre havia música. Podia ser o quanto alta eu quisesse. Não havia vizinhos. Amigos sim, mas não vizinhos. Talvez pelo fato de nenhuma pessoa se aconchegar sabendo que mora no Fim do Mundo. Não sei quem deu esse nome, mas não me importava agora e nem tão pouco quando comprei o terreno. Que mal há em morar no Fim do Mundo? É aqui onde são criados os mais belos girassóis que se pode encontrar. Eles são altos e é capaz de crianças se perderem por dentre eles.
À noite, os girassóis amarelos ficam azuis pela luz da lua. Poderia ser chamado de ritual o que eu fazia todas as noites.
Então, levantei da cadeira, já cansada de me sustentar com tantos pensamentos e lembranças, e fui até a porta. Parei em frente, olhei para baixo e pensei por um momento. Levantei a cabeça, respirei fundo e fui para a janela à esquerda da porta. A abri pelo pino já enferrujando. Senti o vendo entrando pelo cômodo fugindo do frio que a noite provocava. Estava ventando muito, meus olhos castanhos escuro encheram-se de lágrimas, mas elas não continuaram seu percurso, simplesmente secando. Afinal, eu não estava triste, ou estava?
Não era um azul bebê, nem marinho, era um azul mais... Como se diz?...Um azul mais confortável. Como o azul de um céu ao anoitecer em pleno verão. Sentia saudades desse azul. Sentia saudades do verão. Mesmo os girassóis ficando um amarelo enjoado. Amarelo era uma cor que eu não simpatizava, estranho plantar então, justamente girassóis. Eles me deixavam alegre, e o amarelo mesmo que eu não gostava, era o enjoado do verão.Minha testa implorava para que eu voltasse o rosto para dentro com o fogo e a franja a aquecendo. Fechei a janela. Passei pela mesa, peguei a caneca roxa e me dirigi a pia. Lavei-a com um sorriso no rosto, então era isso. Não tinha como negar.
Fui até a porta, respirei fundo. Abri a porta. O céu já estava rosado, o horizonte, roxo. Os girassóis já não eram mais o mesmo azul. Comecei a andar, e andar e andar, amarelo aparecia a minha volta, muito amarelo. Zeca, preto e branco, estava atrás de mim, sempre me seguia pelo campo florido, gostava do pólen dos girassóis. Eles o faziam espirrar, sensação que ele gostava de obter.
Cheguei até o fim do campo. Dei um passo e toda a imensidão de amarelo havia sumido. Fui até a árvore com suas folhas verdes de grama e olhei para a escritura no tronco."Jaz aqui Zeca, a junção de todas as cores e amores e a ausência de cores e temores, 17/09/1918."

sexta-feira, agosto 15

Nação Fast Relationships.

Hoje em dia é assim, o casal sai quatro vezes, começam a namorar. Em um mês, consideram-se almas gêmeas um do outro. No segundo mês, já se ouve ‘eu não vivo sem você, amor’ e no terceiro mês o namoro termina. Por que as pessoas apressam o chamado Amor? De onde vem essa nação fast relationships?
‘Eu te amo’. Pra mim nunca foi fácil de dizer, e não costumava ouvir por todo lado tal frase, só em filmes. Agora, eu olho os Orkuts alheios e penso: JÁ TÁ AMANDO?
Amor:
Viva afeição que nos impele para o objeto dos nossos desejos; inclinação da alma e do coração; objeto da nossa afeição; paixão; afeto; inclinação exclusiva.
Pra começo de conversa, quando você ama alguém, quando realmente ama alguém, você se entrega completamente. Você pensa na possibilidade de passar o resto de sua vida ao lado dela e somente com ela (inclinação exclusiva). Isso, porque você não se interessa por ninguém mais. Não é não sentir atração, claro que não. Atração pelo próximo é perfeitamente humano. Mas caso tenha a possibilidade de passar somente da atração, você não vai além, porque na hora pensa: pra quê, se eu amo a pessoa que está comigo?
A questão é: virou normal a traição. Não é que ela não acontecesse na era das cavernas. Ta, péssimo exemplo, naquele tempo a ética não era ainda formada. E o que podia ou não fazer em relações amorosas não era estipulado por ninguém. Mas agora é, e toda essa sedução virou mais do que explícito. É como se as pessoas estivessem tomando hormônio para cavalo e saíssem por aí com o intuito de se reproduzir. Mas estou me distanciando do assunto.
O que não consigo realmente entender é como alguém pode amar o outro em apenas um mês, e cogitar a possibilidade de passar o resto da vida ao lado dela, cogitando ainda a outra possibilidade de tal pessoa ser sua alma gêmea. Espera, espera, espera. Primeiro: aquele friozinho na barriga, a vontade de estar ao lado da pessoa, o frio na espinha... ISSO NÃO É AMOR! É só atração pela pessoa. E o fato de você se sentir atraído por ela, não o obriga a dizer: você é minha alma gêmea. Sim, vocês podem ter muito em comum. Mas em um mês garanto que não se conhecem. Você pode passar 10 anos ao lado de alguém, e ainda assim não o conhecer.
Depois de passar anos analisando esse comportamento entre casais, percebi que nem eles se importam se realmente se amam ou não. Contanto que digam no Orkut que estão casados, e que pelos depoimentos tenham milhares de ‘eu te amo’ com corações coloridos, tudo estará bem. As pessoas em volta saberão que eles têm um relacionamento e acreditarão (ou não) em seu longo futuro, que na maioria das vezes não ocorre. Afinal, vocês não sabem nem a quantidade de pintas que o outro tem.
No final, tudo é uma questão de ego. O próprio e principalmente o dos outros.

terça-feira, agosto 12

fragmento de uma lembrança.

Fiquei na ponta do pé para lhe dar um beijo. Ele virou o rosto. Voltei a minha altura normal, olhei para ele. Meus olhos se encheram de lágrimas.
Virei o corpo e comecei a andar, já estava sem esperança. Comecei a chorar. Senti sua mão em meu braço e sua voz me dizendo que esperasse, virei e afundei o rosto em seu colo num choro desesperado.
- Por que você está chorando?
- Porque te amo e não quero te perder.
- Você não vai me perder.
E me deu um beijo.
Subimos novamente ao meu apartamento. Ele jogou a mochila na cama e sentei ao seu lado.
Silêncio.
Passava a mão na fivela da mochila de couro como uma rotina. Então ele disse:
- Que tal mudar o que já se tem?


e a gente mudou, mas não durou.

sábado, agosto 9

Insônia.

Não queiram ter. As minhas são baseadas em lembranças. Fico deitada durante horas me re virando presa em pensamentos destrutivos.
Vai ver ler Fight Club não esteja me fazendo bem. Vai ver tenho medo de um Tyler Durden preso em mim. E que ao dormir, ele se liberte e mude a vida dos outros e inclusive a minha. Copy of a copy of a copy.
O agora é real? Estou dormindo? Sou eu mesma?
Sim, sou real. Isso aqui, o agora, é real.
I know this because Tyler knows this.
As pessoas preferem aceitar que são reais. É mais fácil.
E se tudo for um sonho?
Everything is a copy of a copy of a copy.