segunda-feira, maio 31

engolindo tesouras

despedida com um beijo
nenhuma confusão de línguas
ou seja
uma confusão só!

mistura café com madrugada mal dormida
pouco dormida mas tão tão
entre olhos que se abrem e tato
abraço e mão entre os cabelos

começo a desconfiar dessa
tara por almoços e nunca
pela sobremesa
sabia que o nome dela é cherry?
ou ainda quer um chantilly por cima?

sexta-feira, maio 28

engolindo palavras ou audrey envergonhada tira os óculos

e só agora percebo
dentro da minha caixinha
da minha caixinha! ainda
a peça de lego vermelha

hoje seus olhos estavam claros

sempre gostei dessa nossa mania de se esquentar. nunca esquecerei você soprando ar quente dentro das minhas meias e colocando-as rápido nos meus pés antes que o ar fugisse. abraçar esse peito de pintas é conforto (parecequeaindaestoudentrodevocê)
pesei?
- pão integral, cebola, tomate, cheiro verde, queijo minas... e música, meu bem!

quinta-feira, maio 27

"mamãe, esse sol que estamos tomando é o mesmo que iluminou rembrandt, napoleão, bach, goethe?"

minha companheira
me carrega
transporta
transborda
transforma

já chorei
já ri
já senti frio
já colori
já tirei foto
já vi filme
já nadei
encho seus lixos de cigarros
e pegadas (seis)
casa 85 anda com muito mato
perdi o tato
nunca mais sentei no "mamãe" que
marca lembrança no cimento uma vez fresco

onde o mundo é mais verde e
a chuva não é de leite

terça-feira, maio 25

Insustentável Asfalto

     Ele era desses que andava torto. Andava porque não tinha o que fazer. Andava porque gostava de sentir o tênis moldando os buracos da rua. Andava porque gostava de ver o grande cadarço (sempre tão longos, por que são sempre tão longos?) pulando de um lado para o outro. Andava porque era domingo. Porque tinha sol. Ele era desses que sempre usava uma calça jeans, não importa o quão quente estivesse, sempre de camisa com manga, normalmente lisas, de vez em quando alguma estampa sutil de vez em quando, só de vez. Em quando sempre olhando para as pessoas. Reparava em suas roupas, em seu modo de andar, o que falavam, com quem falavam, se falavam. Seu cabelo bagunçado atrapalhava a visão de quando em vez e tinha que tirar a mão do bolso. Movimento rápido tirava o cabelo da frente. Escondia a unha ruída. Os dedos amarelados acendiam outro. Continuava andando, nunca parava. Um livro que o interessa chama por seu nome numa vitrine, não pára. Não pára. Pára nunca. Até que ela.
     Ela era dessas que andava. Andava na vida porque era solta. A vida, não ela. Andava porque gostava de sentir o vento bagunçando seus cabelos bagunçados. Andava porque sentia o lenço amarrado em sua enorme bolsa (sempre enorme, porque sempre enorme?) acariciar suas pernas. Andava porque não era domingo. Andava porque tinha sol. Ela era dessas que só olhava para o céu. Sempre para o céu. Não gostava quando aviões ou helicópteros passavam, atrapalhavam as nuvens. Não se importava com o dia da semana, nem com o que iria comer de almoço no dia seguinte. Não se importava com nada. Não se importava. Ela era dessas que só usava short ou saia, sentia muito calor sempre muito calor. Blusas sempre coloridas, cordões budistas e tênis de longos cadarços. Pensava nos pintores que conhecia para definir o céu de cada dia. Os braços, como o lenço, dançavam de acordo com a orquestra do vento. Ela era destra até que ele.
     Parados lado a lado em frente ao cinema. Olhavam o mesmo cartaz. Nada ao lado. Nada atrás. Como uma garça, ela apoiava o pé na perna. Como meio sem jeito como era seu jeito continuava com a mão no bolso. Ele a notou primeiro, com sua mania de sempre olhar as pessoas sempre. Ela o notou segundo, tentando adivinhar que espécie de helicóptero era aquele.
     Talvez fosse domingo, afinal.

chá ainda quente esquecido sobre o piano afundando no mar

"usavam palavras grandes (ninguém, mundo, sempre) e apertavamse as duas mãos ao mesmo tempo, olhandose nos olhos injetados de fumo e choro e álcool
pois queríamos ser épicos heróicos românticos descabelados suicidas, porque era duro lá fora fingir que éramos pessoas como as outras
e dizer duramente que sim, que não, que tudo isso não é verdade, que todos nós, eu, ela, ele, todos os degraus e todas as sombras e todos os retratos fazemos parte de um sonho sonhado por qualquer outra pessoa que não ela, que não ele, que não eu

o mundo, apesar de redondo, tem muitas esquinas"

domingo, maio 23

hoje meu céu da boca acordou sem nuvens

sentadas na cama
arrancavam das páginas todas as aspas
e juntas
coloriam de letras
a própria casa:

o insustentável escancarava
o que pensava esconder
cartas estão na mesa
mas há sempre uma na manga
mistérios de cada um
no encontro de cada dois
coroa eu ganho, cara você perde

-mas isso tudo aí é um bando de coisa jogada!
respondo com mais uma
quero escrever movimento puro

regras para cima de mim, nunca!
estou que é só fantasia

um brinde a ti

"Bebo o suor e o prazer,
a dor e a mentira.
Me consumo em dias, anos
de perfeita inocência
para perceber enganos, traições.
Naufrago sem erguer meus olhos
com pensamentos arrojados.
Não sei mais qual o trago,
bebo o cálice da solidão
e brindo a ti."

terça-feira, maio 18

vamos aos lençóis

- sabe o que eu acho? - se sentia confiante - eu acho que daqui há três, cinco, vinte, sessenta anos a gente vai voltar a transar loucamente e será orgástico e será muito divertido.
- acho bem possível.
ele rindo.
ela fingindo ser engraçada.
- ei, daqui há sessenta anos você já será bem velhinha para ser orgástico. vai estar tudo funcionando?
- diga-me você! comigo estará tudo muito bem. se não, não me chamo Miss Daisy.
olha em seus olhos.
ela triunfa.
- você pode ser meu motorista negro.

"preciso anotar uns pensamentos"

pensou ela.
há muito tempo não sentia o prazer de cortar o papel com a tesoura. seguia com minha de ferro dourada por uma linha infinita azul. os desenhos nela eram ondas que dividiam o rastro de tinta.
automaticamente imagens me saltam da infância.
vejo em minha frente montanhas de papéizinhos picados, uma tesoura na mão, um leve sorriso nos lábios.
tudo isso (eu) poderia ser definido como 'coisas estranhas que crianças sentem ao fazerem coisas estranhas'. mas, de repente, uma imagem mais recente.
- menina, larga essa tesoura, você sempre fica segurando isso.
acho-as elegantes, explico.

domingo, maio 16

a casa de sandro

o homem folha
mas ele é tão gente

som da câmera dando zoom
mudando foco
sandro no telefone verde limão

"dá uma coceira gostosa"
os sons se tornam personagens

lá parece ser frio
quase sinto o cheiro do mato
todas as cores que não a verde
são intrusas
intrusas muito bem vindas
como as nuvens são do céu

sandro mastiga
engole
e continua mastigando

quem é essa mulher espreguiçando
que te arrasta pelo jardim?

com sussurros constantes
gostei de te ver no fim

sexta-feira, maio 14

essa casa vazia cheia de bugigangas

esse casulo quentinho. toda de azul meias vermelhas torrada com mel bernardo, mon amour da janela fogos de artifício cavalo branco chamado cocaine isqueiros tesouras anéis taças turquia folhetos exames linhas abajur giz sofá ingressos tênis vela garrafa vinho aurora encartes incenso você
constantemente espirrando fumaça

duas mariposas nesse conforto

deitada na cama. a saia preta de veludo já acumulando fiapos. o cabelo preso todo bagunçado. fios se acomodando no pescoço. um braço com vão em formato triângulo. trombetas no pulso sustentando o peso de sua cabeça.
- o que você acha de eu ir com aquele vestido meu compridão e o tênis dourado?
- aquele do botão de madeira?
- é.
- acho ótimo.

quarta-feira, maio 12

endlosung der judenfrage

saiu tão bem na foto
vejo que entendeu o que faziam
devem ter gritado por seu nome
o fizeram olhar
tirar a atenção do jornal
sempre no colo
gostava de quando você
rasgava
folha por folha
às vezes comia guardanapos

seu olhar me atravessa
você é a parede atrás
um muro de tijolos
como qualquer outro
grita por liberdade
sua revolução interna
de conseguir
enfim!
dizer o que pensa
é angustiante
mas não consegue
desiste
desviando o olhar

sua blusa amarela
que mais parece um vestido
nesse corpo gélido
suas palavras são fracas
seu sorriso diz mais
sorriso:
"não te reconheço, minha cara
mas sei que é querida por aqui"
agradeço devolvendo
sorriso:
"te amo"

rolando de bar em thes

"não tenho que conhecer o outro; sua opacidade não é de modo algum a tela de um segredo, mas sim uma espécie de evidência, na qual fica abolido o jogo da aparência e do ser. Experimento então essa exaltação de cheirar profundamente um desconhecido, que o será sempre: movimento místico: tenho acesso ao conhecimento do desconhecido"

segunda-feira, maio 10

engolindo algodão

que belo céu me reina
nessa maldita espera
pasto,
logo existo
há, se você tivesse heterocromia!
meus lábios estão roxos do
frio da janela
minhas tranças chegam ao chão
"você também me
pertence", diz o mundo
R. é um caval(h)eiro
o contrário nunca passou
pela minha cabeça
conclusão que chego
modalidade: mutável

sábado, maio 8

porque a vida é tão mais bonita com Mozart

parece que a cidade toda está em cinzas. nem o céu está tão azul. o moço do rabo de cavalo me vendeu agosto e feliz ano novo por 12 reais. nossos sorrisos se encontraram. folhas saem pela grade da janela em frente. em constante fuga se contorcem em busca do sol. e quando a "linguagem é uma pele: esfrego minha linguagem no outro. é como se eu tivesse palavras ao invés de dedos, ou dedos na ponta das palavras" como se fosse sabão, começo a desaparecer de tanto roça roça.
(me sangra! me sangra!)

quarta-feira, maio 5

como a galinha do jesuíta kircher, provisoriamente defascinada

Comendo pão de mel, acompanhando toddynho. Roland sentadinho no meu colo. Ao lado a bíblia (com bordas de páginas azuis). "Não acredito que ela ainda não terminou", penso furiosa. Me fascino com o cheiro forte de livro antigo. 6ª edição, de 1977, sem ter perdido nenhuma página está ali (pronto) para eu me deliciar por uma segunda vez. Senta aqui que vou te devorar.

terça-feira, maio 4

com seus dedos rechonchudos e
unhas milagrosamente feitas
ela apontava explicando o que
ali antes era
lágrimas escorrem por
seus olhos e corro para abraçá/la
com algumas já em minhas bochechas
de volta à garupa da moto
me despeço
enquanto o sol
(ou o céu?) implora:
fica

cansados marimbondos em suas casas no telhado

tristeza!
não mais ervas daninhas
por entre os dedos do pé
leite direto da vaca
em bule de chá
(um dia ainda
bebo daqueles que sai pelo nariz
da vaquinha, de porcelana, que nem
nos filmes do bernardo)

tristeza!
mudaram o nome
da manteiga
nome estrangeiro
invadem tudo invadem
dor de cabeça
barulho até às cinco
dizem que o prefeito é muito religioso
sempre sai com um terço das festas da
cidade

com lágrimas nos olhos
tia nádia se despede
embaixo de um braço
um pote de pêssego em calda
do outro
uma saudade que esquece o alvo
se perde entre tantas memórias
esfumacentas

domingo, maio 2

cavalo chamado moleque, porta guardanapo de papai noel fora de época e coca cola em garrafa de vidro com tampinha de plástico

o vento sussurrava enquanto
o sol beliscava meus cílios por entre
as árvores

o longo campo suspirava verde
e minha blusa extremamente laranja
extremamente laranja tentava
chamar atenção ao redor

os passarinhos mais alto que os grilos
aqui não tenho vez,
concluí

mais tarde muita vodka
menininhas de salto ou bota
vodka
hello kittys tampando o sexo de shreks
vodka
mulher gorila
3 maçãs do amor por dois reais
o que por aqui chamam de música
vodka

e com olhar inquisidor
a imagem daquele cara dos olhos azuis
e braços abertos

lar (de alguém)

mala de um lado
lenço verde voando de outro
a chuva interrompendo sua visão
luísa fugindo para a infância
passará 3 dias subindo em árvores
roubando manga
(mas não era época)
3 dias com hora para comer
3 dias ouvindo histórias de quem já não está nesse mundo de cá
mas é tão lá

engolindo peças de lego

"oi moço, você pode deixar isso no 1104, por favor?"
"claro, é pra D.?"
"não, é pro A. não tem um?"
"tem sim. saiu agorinha mesmo. ele sabe que você vai deixar?"
"sabe" sorri.