quarta-feira, dezembro 31

e escrevo.

Começo de um jeito e termino de outro,
sempre sai diferente.

Arranco do meu peito esse peso e leveza
Essa vontade de botar pra fora.

Vomito tudo como se fosse a refeição das três
Fica no papel o que era sentimento

Perdida pelas minhas pálpebras, as palavras visualizadas por um eu diferente
Um eu que nasceu agora e nada espera

Além de versos diligentes,
sempre crentes em algo

Quem disse que é possível escrever o que a gente nem sabe o nome?

Ata-me!

Num dia quente sem sol, duas velhinhas iguais vestidas iguais elogiaram a Cherry.
Nada pude fazer, a não ser agradecer.
Estava feliz por duas senhoras de idade gostarem da tinta em minha pele.

Mais tarde, ao encontrar com o homem que me criara vi o quanto nossa relação melhorara. O segredo era a não-convivência. Agora tínhamos histórias para contar, momentos para viajar e principalmente, amor para dar. Um amor que substituía, falava mais alto, que todas aquelas pequenas coisas que sempre nos impediam. Aquele amor do ventre, que na verdade era colo.

Após levar um soco no estômago, saímos do cinema. Ele me levou até o bar onde amigos se encontravam quietos. Fiquei mais quieta ainda, não havia digerido ainda o que vira/ouvira/sentira. E acho que nada posso falar ainda sobre o filme.

O cantor, que faturava 10 reais, contou suas histórias.
Eu pensei nas minhas.
Foi um dia estranhamente repleto de lembranças e sentimentos antigos novos
Quase me debrucei ao chão, sentindo o asfalto em meus lábios
Quente.
Ouvia o vapor passando por ele,
Ouvia o som da noite,
Ouvia o calar da chuva,
que há tanto nos perturbara.
Gostava de pisar nas poças com minhas mãos nas suas.

Um jogo de sombras fez eu sair do meu inferno pessoal
Fui a outro mundo sem me importar muito no que eu estava quase caindo novamente
E quando voltei não chegou a ser desagradável, mas perigoso
A corda bamba me mostrava um lado de lembranças e vícios
E um outro de salvação
E quem disse que há salvação?
Poderia ser apenas ilusão
Prefiro não saber
Nem quero crer
Crer que um dia amanheci curada
Sem medo de ser amada
Mas meu medo é o inverso
É o amar
E me entregar

Pedir socorro sempre foi demais para mim.
Prefiro encontrá-lo em minhas garrafas e cigarros de seda desenhada.
Desenhos de linhas tortas que definem o indefinido,
eu mesma.

the B.

with a little help! from my friends I'll be fixing my lonely heart,
Lucy and her diamonds are leaving home,
and Mr. Kite is sixty four,
Rita said 'good morning' and she's lovely for that,
within you or without you, it's always a day in my life.

I am waiting for 8th of january, there will be a small pepper at my shoulder.

sábado, dezembro 27

Eu lembro bem de você no Chelsea Hotel.

E então você foi embora, não foi?
Simplesmente tornou o seu rosto para longe
Foi embora e eu nunca o ouvi dizer,
"Eu preciso de você", "Eu não preciso de você"
E toda aquela enrolação...

Water on my lips.

Ouvindo a moça das unhas pretas descascando tocando seu piano.
Ela pára. Dá assistência a alguém na platéia. E volta.
E não pára mais. Continua sua arte, sem saber o que faz com meu corpo.
Ele treme todo.
Minhas vísceras querem sair.
Eu quero gritar.
E choro. Choro lembrando de como a conheci.
Choro lembrando de quando ouvíamos juntos.
Choro lembrando de como eu a cantava para você, só para você.
Choro lembrando de quando a cantamos atravessando o túnel pela madrugada.
Choro quando ela canta em francês.
Choro quando ela canta em russo.
Choro quando ela canta em inglês.
Sorrio quando ela sussurra em meus ouvidos. Lembro que ela também me ajudou.
Lembro que ela estava lá.
Lembro que ela foi um dos meus band aids.
Lembro que ela era uma moça indefesa que se defendia.
Descobri que sou uma moça indefesa que me defendo, ou aprendi a me defender.
Seja em outra cidade, seja embaixo das cobertas com a meia escorregando pelo pé, seja na cadeira de praia esperando o mar cobrir minhas orelhas, seja numa estátua no meio da praça enquanto crianças mastigam chiclete, seja ensinando o que é o amor, seja dizendo que te amo, seja batendo com uma baqueta numa cadeira, seja respirando monóxido de carbono, seja conversando sobre fidelidade, seja lembrando da primeira overdose, seja lembrando de alguma noite no Chelsea Hotel, seja vendendo cabeças numa caminhonete, seja pedindo um outro drink, seja sonhando, seja fazendo uma rima, seja lendo um poema sobre uma sereia com pés, seja em dezembro, seja ao entardecer, seja dentro de um aquário, seja falando sobre um pobre menino rico, seja lembrando do nosso verão, seja cheirando as flores, seja sendo como os filmes, seja com minha honra, seja eu, seja você, seja ela.

quinta-feira, dezembro 25

Feliz Natal

grande merda.
nessa data que entendemos os motivos da palavra "hipocrisia" existir.

e não, não sou largada pela minha família. os amo muito e eles também me amam.
pelo menos é o que dizem.
hipocrisia...ah..

segunda-feira, dezembro 22

Dados.

Acordei estranhamente tonta
Eu deveria estar pronta
Há tempos não me comportava assim
Fingi que não falaram de mim

Ouvi tudo enquanto estava com o rosto voltado para o sanitário
Ouvi tudo e até o que não era necessário
Recebi ajuda de melhores amigas e alguns olhares desconhecidos
Olhares que repousaram em mim com preocupação
Falidos de amor e de emoção

Minha mão continua queimada pelo carvão
Que na mesma emoção perdida
Senti-me falida
E fadada a me machucar
Nada que um band- aid do bob esponja não resolva

Perdi o seu rosto em meio à multidão
Meu dedo em minha garganta se acomodava mais
Cada vez que se encontravam mais distantes ficavam
Porém o dedo queria a garganta
Que queria explodir
Que queria fugir
Que queria sorrir
Que queria beijar
Que queria enrolar
Que queria controlar
Que queria brincar de controlar
Mas ei, é só brincar!

De quem é a vez?

domingo, dezembro 21

Você é tão vaidoso, aposto que pensa que esse fragmento é para você.

Deitávamos na cama com nossos botões. Um deles, meu, fugiu. Os outros fui abrindo delicadamente. Quando percebi que estava me abrindo por inteira, e você apenas à sua calça.

Fragmento de uma lembrança # 4

Lembro de estar tocando Cara Estranho e eu sentada no chão encostada em um cano frio. Você perguntava se eles vendiam matte, e tudo o que pude beber foi água. Água que se misturava com minhas sinceras lágrimas por perder um dos melhores shows da minha vida. Você me botou num táxi e, abraçados, me levou à sua casa. Lá, me deu do que comer e cessou o meu choro com suas delicadas mãos de músico. Sinto falta da música que você provocava em mim.

mapa

Ao abrir a porta do infinito, conheço meus demônios. Não sei o caminho de volta.
Me perco.
Me perco em meu próprio infinito.

"o estar acontecendo transforma o presente no instante já passado"

Fragmento de uma invenção.

Você me lembra muito o personagem principal do livro que estou lendo agora. Não pelo envolvimento precoce com as drogas, não só isso. Mas pelo espírito, físico, cabelo, decisões, estilo, voz.. Onde quer que você esteja agora no globo ou fora dele...
Imagino a gente andando pelo mato já crescido em cima dos trilhos. O sol escaldante sobre nossas cabeças. Nossas mãos atadas, sentindo toda a energia, nosso amor nunca vai acabar.

quinta-feira, dezembro 18

r.i.p

Por que abrir espaço?
Eu não realmente quero abrir minhas pernas para ele.
E aposto que você as ainda quer abertas.

Não compreendo seu descaso
seu desacato
Não era um casamento
E falhou antes de começar

Todas essas suas incertezas medíocres que o transformam em um túmulo
Não cuido de cemitérios,
porém nunca me senti tão atraída em fazê-lo

Quero te envolver como um zelo
Quero que não seja segredo
Quero que me faça bem
Com

ou

sem.

Paixão só não basta.

"Se entre a minha verdade

e a tua, se encontra a verdade.

Se inteligência é fundamental

e nisto concordamos,

quando discordamos.

Se a generosidade é o algo a mais

e não basta.

Há ainda o humor travesso,

pelo menos.

Pimenta junto com molho inglês,

francês ou italiano.

Pavarotti, Mozart ou rock and roll,

misturados com saquê,

sushis e sashimis

vê se saca:



pra mim é pouco,

eu quero mais.

Uma pitada forte de paixão,

misturada ao sal do amor,

num jogo sem perdedor

onde cartas estão na mesa

mas há sempre

uma na manga.

Mistérios de cada um

no encontro de cada dois.



Enquanto te contemplo,

me observas.



A interioridade é o abismo que nos separa.
poesia é um parto natural.

déjà vu.

Por mais que eu me esqueça,
lembro.
Que fazer?
Não quero viver nas memórias.

Um brinde a ti.

"Bebo o suor e o prazer,
a dor e a mentira.
Me consumo em dias,
anos de perfeita inocência
para perceber enganos, traições.
Naufrago sem erguer meus olhos
com pensamentos arrojados.
Não sei mais qual o trago,
bebo o cálice da solidão
e brindo a ti."

contornos.

Há um amor que jorra, que geme,
fere em brasa,
fia em ouro,
a esperança renovada
que encontro em ti.

Diálogo de poeta.

"De onde eu não te conheço
me perguntou o poeta
se reconhecendo em mim.

Nos encontrávamos perdidos na poesia do mundo,
esquinas que alternam palavras e sentimentos.
Desconhecidos tão conhecidos."

terça-feira, dezembro 16

Pensamento imperfeito.

Antes eu pensava: "como viverei sem você?". Agora a companhia mudou, e me pergunto: "como viverei com você?"

Chet Baker com coxinhas.

Só quero chegar em casa, tirar meu tênis, a flor do cabelo, a roupa, 'me despir de incertezas', relaxar na cama e ler a veja sobre o drama de Suzana Vieira.

quinta-feira, dezembro 11

Moça Com Brinco de Plástico (Parte 2)

- O que é amor pra você Ela?
Ficou em silêncio por um tempo e depois respondeu:
- Eu penso como se fosse um encaixar de duas pessoas, que são um quebra-cabeça por si só, pequenos pedaços de todas as almas que já viveram, e cada uma, por um momento, viram uma só peça de um quebra-cabeça de duas peças.
Marina olha para Ela e ri, ri não, gargalha.
- Qual o problema?!
- Parece até que você está apaixonada!
- Não é nada disso, você me perguntou, eu respondi.
- Então continua com essa baboseira de achar o homem certo? Você é uma puta cara, putas não têm o direito de amar, elas dão o prazer que têm que dar aos homens e pronto, pára de tentar achar formiga no berço de tamanduá. Aqui, onde você tava ontem que não voltou mais pra praça XV?
- Tava com um cliente ué, você me viu saindo.
- Você saiu às três da manhã, voltou pra casa às sete.
- Fiquei com ele o tempo todo.
- Ganhou uma grana, né?
- Fiz o completo.
- E duraram essas horas todas?! Que isso Ela! Ta perdendo a buceta é?
Ela levantou da cama que dividia com a amiga, cinco passos, chegou à cozinha. Sim, a casa era pequena.
- Ah... Já sei! Vai fazer o mesmo que fez com aquele cara... Fingir que é só dele, dar tudo o que ele quer, cobrar pouco às vezes, mostrar coisas novas, chupar sem ele pedir... E um belo dia, quando ele estiver confiando em você e te deixar sozinha ao sair para trabalhar, você vai lá e chama nossos amigos para tirar todos os móveis e coisas de valor da casa. Muito esperta, muito esperta. Mas cuidado, vai se tornar conhecido esse golpe, e além de não confiarem na gente, eles vão nos espancar só de imaginar isso.
- Não tem como isso se tornar conhecido, nenhum homem admitiria ter deixado uma prostituta dormindo em casa enquanto fora trabalhar.
Com isso Marina calou-se.
- E não é isso que estou fazendo com esse homem. Não estou fazendo nada! Foi só um cliente, uma noite.
- Gostou dele, não?
- Ele é interessante, ele conversou comigo, e me deu elogios dos quais nunca ouvira antes!
- Grande coisa! Pode ter dado sorte e pego um poeta, e daí? O pau dele fala francês? Vai, me diz, o pau dele fala francês?
- Não sei! – disse Ela rindo.
- Ah, porque nós duas sabemos do que a sua bebezinha aí é capaz. E nenhum pau até hoje falou francês contigo.
Ela pegou uma panela e encheu de água, ligou o fogão e deixou a panela ali, com a água a ferver.


Hoje não havia skatistas. Não sabiam por quê. Elas não queriam saber o porquê. Não se importavam.
Ela estava chegando à praça pela terceira vez da noite, acabara de ir até a esquina dado a bunda para um açougueiro fedorento, Ela era vegetariana.
Foi quando um Picasso prata foi andando devagar, ela reconheceu a silhueta do motorista e foi até ele.
- Estava passando por aqui para pegar o caminho de casa e... Resolvi desacelerar um pouco... Sabe... Estava apenas indo pra casa.
- Um homem tergiversante é pior do que um homem mentiroso.
- Onde consegue dizer palavras tão... Ah esquece.
- Tão o que? Vamos, diga!
- Não, esquece.
- Tão sofisticadas? Ah, nem todas as putas são analfabetas, algumas aprenderam a escrever e ler, e até a ter um bom vocabulário.
- Muito poucas, se me permite dizer. – disse o homem envergonhado.
- Sou rara. Meu nome é Ela.
- Isso não te torna rara, seu nome significa que você é “ela” e mais outras, como se alguém tivesse posto esse nome em você por não saber o verdadeiro nome.
Nesse momento Ela se calou, não queria mais conversar sobre a origem do seu nome.
- Entre no carro.
- Pra quê? Pra você continuar fazendo perguntas do meu passado e me fazer desmoronar moralmente?
- Não, para podermos conversar em paz em outro lugar. Um lugar mais calmo.
- Mais calmo que a praça XV em uma quarta-feira em plenas duas horas da manhã?
- Sem que uma porta de carro nos separe.
Ela entrou no carro. E sem dizer mais uma palavra seguiram caminho ao mesmo hotel. Lá, aconteceram coisas muito diferentes do que acontecia tanto a Ela quanto ao homem. Ao final, Ela acendeu um cigarro.
- Não sabia que fumava.
- Te incomodas?
- Não, de modo algum, me dê um trago. Amei gozar com você fazendo... Aquilo.
- O gozo é um acidente de percurso, não o valorize.
- Como, justamente você, não o valoriza?
- Me sinto fazendo mais meu trabalho se vocês têm prazer antes e depois do gozo, não só durante, ele dura segundos, preciso dar mais prazer do que em apenas segundos.
- É, mas de que adianta dar prazeres diversos se os clientes não gozarem? Afinal, não é isso que procuram? Além do dinheiro, é claro. Alguém que os faça gozar o mais rapidamente possível para seguirem com suas vidas apressadas?
- É isso que procura?
- Eu? Não... Gosto desse seu método, não quero nada rápido, gosto de passar a noite toda ao seu lado.
- Bom saber, quanto aos apressados, dou o que eles querem, afinal estou sendo paga pra isso. Não vai nunca me dizer teu nome?
- Bernardo.
- Tenho que ir.
- Mas já?
- Tenho que ir.
- Mas ontem a gente ficou até amanhecer juntos.
- Ontem não é hoje.
- Mas por que essa pressa toda?
- Tenho que ir.
- Te dou uma carona, vai voltar pra praça? É isso?
- Não, vou sozinha.
Sem mais explicações, Ela já estava vestida e saía porta afora. Não voltou para a praça para obter mais lucros, e sim, foi para casa. Abriu a porta, deu oito passos, se jogou na cama, se cobriu com a canga azul que servia de colcha e chorou, chorou até adormecer. Naquela noite Ela sonhara com seu bebê.

domingo, dezembro 7

Simplesmente.

"Ainda que de repente
te encontro assim.
Que hora é essa,
assim sem pressa?

Festa viva
vibra em mim.
Luzes, música, noite,
no peito emoção enfiada,
coração pulsando orquestra.

O essencial desabou sobre nós?"
eu estaria curada se passasse por essa tempestade.

auto-falante.

como um abrigo seu sorriso me abraçou
a dúvida invadiu os meus pêlos eriçados

"não, não, não", pensava eu
não iria dilacerar tudo por um simples forte desejo

eu me faria de desentendida
como se fosse apenas uma amiga

talvez pelo orgulho
talvez pelo bagulho

mas não era uma desistência,
era uma sobrevivência

aguardarei letras que sejam realmente sobre mim
assim, transparentes

uma transparência educada e sensual, não vulgar
não quero um berço, quero criar um

precisava sair desse lugar e ir adiante
enquanto espero meu coração cantante pegar o microfone e gritar o seu nome

grita o meu nome!

sexta-feira, dezembro 5

As Sapatilhas de Luísa.

Luísa gostava de fechar os olhos ao fazer xixi, apreciava os homens e não se importava com a tampa do vaso em pé.
Luísa odiava gatos, e desprezava as mulheres que, por estarem tristes, comiam barras e barras de chocolate.
Por enquanto é tudo que precisam saber.


Ao abrir os olhos, Luísa se deparou com Almodóvar, seu dálmata. Ele a fitava com olhar de desespero. Já passava das três e sua bexiga devia estar lotada de um líquido amarelo e que ao sair ficaria avermelhado ao se juntar ao sangue da velhice. Almodóvar estava em seus últimos anos e Luísa não gostava de enfrentar tal realidade.
Foi à cozinha, preparou seu café. O tempo passara rápido ou lento demais. Não sabia como fora parar em casa. Lembrava-se de estar numa boate e de enfiar a taça em seus pés ao procurar suas sandálias. Depois disso, tudo era escuridão.
Suas mãos cheiravam a pimentão. Não sabia o motivo.


Almodóvar com suas pintas abanava o rabo a espera de sua dona confusamente sóbria.
Colocou a coleira, botou suas havaianas e foram à porta. Ao abri-la, havia um pacote no chão, mais como uma caixa, esperando para ser aberto.
Luísa estranhou, não havia bilhete algum. Pensou se era mesmo para ela. Mas ao virar a caixa, leu: Para Luísa, não deixe suas idéias escaparem, fique de pé.
Não havia muitas Luísas naquele mundo. Além da de Chico Buarque, umas cinco ou seis (?). Pelo menos nenhuma havia naquele prédio. Se era por mim que aquela pessoa saía do tom, que viesse.


Entrei novamente no apartamento, para desespero de Almodóvar, sentei-me na ponta da cama e comecei a abrir o pacote. Ao retirar o papel bege que a cobria, descobri outro, só que roxo, e de crepom. Amava roxo, e a pessoa que me mandara tal pacote, que eu ainda não sabia o que era, sabia disso.


Confuso. Luísa sou eu? Não sei mais dizer, em primeira pessoa ou em terceira, você que deverá saber.


Luísa abriu por fim a caixa. Dentro, encontrava-se um par de sapatilhas vermelhas com um laço em cada ponta. Era o meu número. Impossível, a pessoa me conhecia. Fiquei sentada na cama desarrumada pensando e procurando algum indício de quem teria me mandado aquilo.


Confusos estão? Eu estava mais.


Resolvi calçá-las. Couberam como o esperado. Não havia nada de errado nelas. Fitei-as por mais um tempo. Pareciam hipnotizar minha atenção. Sentia minha respiração, a ouvia com perfeita nitidez, analisava todas as curvas da sapatilha. Já gostava dela, mesmo não sabendo nada de suas origens. Via, no plano de fundo das sapatilhas, uma imagem peluda preta e branco se movendo. Era Almodóvar, já impaciente e latindo sem parar. Consegui sair do transe, não ouvia os latidos, que pela cara de Almodóvar pareciam estar ali há muito tempo tentando chamar minha atenção.
Levantei correndo reparando no que estava para acontecer. Não queria limpar urina de cachorro. Levei-o até a porta e fomos ao corredor. O elevador estava a minha espera. Abri a grade, já meio enferrujada, e entrei. Almodóvar olhava furioso para mim, com meus olhos de jabuticaba pedia desculpas. Ele parecia não entender. Parecia não reconhecer quem estava ao seu lado.


Era eu? Ou era Luísa? Luísa sou eu? Ou eu sou Luísa?


Pisaram no asfalto e Almodóvar soltou um gemido de alívio. Eu também, me sentia meio claustrofóbica no elevador.
Fomos em direção à Lagoa. Eram confortáveis, as sapatilhas. Sua cor ofuscava meus olhos. Mas Almodóvar estava com toda a atenção em mim, e não em meus pés. Por algum motivo ele sentia que algo estava diferente. E estava mesmo.


Luísa já não sabia ser Luísa.


Estava tentando entender o mecanismo daquilo. Olhava insistentemente para as sapatilhas. Por que ao calçá-la ela se sentia tão diferente? A vida dela era tão pacata a ponto de algo assim mudar tudo?


Hoje era domingo, hoje era domingo, hoje era domingo?


Voltou para casa. Esse personagem maldito que já não podemos mais chamar de Luísa. A cada passo, a cada dúvida, a cada suspiro Luísa deixou de ser Luísa. Luísa era uma identidade nua. Não nua totalmente, apenas pelas sapatilhas vermelhas em seus pés. Mas não tinha nada a esconder. Só os seus dedões, dos quais nunca gostou. Luísa era agora um ser livre. Um ser. Inteiro, vazio, cheio.
Almodóvar não a reconhecia. Como ao ganhar um presente silencioso alguém é capaz de mudar tanto? Luísa ainda não sabia se estava gostando de tal mudança. Luísa gostava era de se sentir nova. Nua, como um feto que surge no mundo. Ética, agora, era diferente (indiferente?) para ela.


Às vezes Luísa queria voltar a ser Luísa. Mas isso envolvia tanta burocracia que na primeira tentativa de tirar as sapatilhas, Luísa caía ao chão e sorria para os laços, enquanto ficavam mais apertados e sentia dor. Luísa abraçava a dor e sorria. Seus braços não precisavam mais sangrar. Logo, logo eles voltariam a ser macios e sem rachaduras. Nenhum líquido viscoso sairia de suas entranhas. Não teria um primeiro a enfiar a faca.


Seus olhos agora eram transparentes. Nem verdes, nem azuis, nem de jabuticaba, nem carmim. E sim, transparentes. Almodóvar jazia morto no canto da sala. Seus peitos precisavam ser lavados. Seu cabelo, longo como nunca, oleoso. Seus dentes amarelados sorriam para os laços que não a desenlaçavam. Suas unhas davam voltas e voltas pelos dedos, rachadas. Rachadas como sua vida. Sua nova velha vida.

Um dia, Luísa cortou um dos laços. O papel descascado da parede votou ao seu lugar. Ao cortar o outro laço, Luísa viu que as sapatilhas já estavam grandes demais para seus pequenos pés. Luísa viu que era hora de se vestir.
Foi até a cozinha, pegou uma faca. Foi até o canto da sala e começou a fazer um fino corte em Almodóvar. Ao terminar todo o procedimento, Luísa se envolveu com a pele pintada de seu antigo cachorro. Agora olhava para seus pés, impecavelmente limpos. Gotas de sangue começaram a despencar. Luísa olhou para o espelho, e o sangue não era da pele de sua roupa, era de seus olhos. Luísa chorava sangue. Foi quando percebeu que as sapatilhas simbolizavam o seu, e o de todos, lado Z. O lado verdadeiro e humano e maléfico e puro que todos têm, mas se vestem com mentiras.


Luísa já não sabia ser Luísa.
Luísa agora era luísa.

Moça Com Brinco de Plástico (Parte 1)

Ela se chamava Ela. Ela, era o nome dela. Usava brincos de plástico, sapatos antigos e uma longa trança que, achava ela, faziam com que parecesse ainda uma menina. Mas menina, era o que Ela não era mais. Sempre quis ver os “homens de branco” levar o corpo de alguém morto, deixava-a excitada. Mas isso era um desejo que mais tarde se realizaria.


Chovia insistentemente no centro do Rio. Ela estava na praça XV aguardando sua vez de partir num daqueles carrões que paravam e “raptavam” suas amigas que ali também estavam a esperar. Skatistas olhavam de soslaio para elas, mas não faziam nada, continuavam com suas manobras muitas vezes escorregando pela chuva.
Então um Picasso prata parou, Ela se inclinou para a janela do motorista, mostrou seus dentes limpos e ele a mandou que entrasse, não pela cor de seus dentes, mas pelos seios que ele podia ver muito bem pelo decote do espartilho.
- Só com o dinheiro na mão.
- E quanto é?- perguntou o sujeito.
- Depende.
- Um serviço completo.
- 400 reais.
- Mas tem que ser muito completo mesmo... Sai daqui, chama uma amiga sua aí que seja mais honesta.
Ela piscou os olhos, apertou os lábios e estufou os seios:
- Tem certeza?
Pronto, conseguira.
Entrou no carro e prosseguiram:
- Qual seu nome?
- Ela.
- Sério?- disse o homem rindo.
- Sempre falo sério.
O homem se calou.
Viraram na Avenida Rio Branco e seguiram viagem até o motel mais próximo. Entraram e tiveram momentos de prazer, Ela também gostava, não considerava apenas como seu trabalho, mas como uma arte que a deixava com prazer.
Deitados na cama comendo uva oferecida pelo motel conversavam:
- Seus peitos parecem duas montanhas, não grandiosas, mas únicas e empinadas, como aquelas em que há neve no topo e nada mais, parece um mapa a ser desvendado, passagens secretas, castelos, florestas, lagos.
Ela riu. Gostou do elogio, era diferente dos outros em que apenas falavam: “belo par de peitos”.
- É verdade!
- Acredito em você! Foi só diferente do que costumo ouvir. Na verdade não me falam muito, não assim, esses elogios.
- Acredite, são sinceros.
Ela sorriu, um sorriso sincero também, dos seus mais sinceros, era difícil, com sua profissão, se podemos chamá-la assim, tinha que saber a hora de sorrir, mesmo muitas vezes não querendo sorrir sorria. Mas esse sorriso era diferente. Era verdadeiramente sinceramente sincero.
- Se você sorri, é para melhor me invadir.
Levantou e foi até a janela, ficou a observar a cidade lá fora, um mundo a parte no momento.
- É tão bom olhar as luzes da cidade e ver que posso dormir a hora que quero. - disse ela.
- Como assim?
Ela voltou para a cama, se deitou e ficou a observar o próprio corpo no espelho do teto. O lençol vermelho o realçava, já que era toda branca, sem nenhuma marca de sol, seus cabelos negros realçavam a cor de seus olhos, pretos como duas jabuticabas.
- É sempre assim, não se entende nada. E numa noite acabamos morrendo.
Ele não disse nada, não precisava.
Ficaram em silêncio no resto da noite. Deu sete da manhã e resolveram se vestir, Ela perdera muitos clientes por ficar ali e não voltar a seu posto, e ele perderia muitos clientes naquela manhã se não fosse direto para o escritório.

sopro soprano.

Foi lindo. Talvez o mais viajante no qual consegui chegar.
Minha respiração fazia com que se mexesse calmamente, como uma alga, ou mais bonito ainda, como água viva...água viva que dança de acordo com a maré. Era verde e descia à agua com uma textura viscosa parecendo calda de menta. Fiquei observando durante um tempo.
E ao reparar o que eu estava a observar, resolvi dar a descarga.
fica.

quarta-feira, dezembro 3

ele e ela.

"ela quer ir ao cinema
ele já viu esse filme
ela quer um vestido
ele o que vai por baixo
ela pensa no futuro
ele entoca o bagulho
ela acredita no amor
ele reclama do calor

ela descabela com o desprezo
ele se penteia com arrogância
ela diz que ele sonha acordado
ele sonha com ela no escuro

ela acha ele tarado
ele coloca ela de lado
ela diz que ele é um número
ele prefere ela de quatro

ela morre de ciúmes
ele não vê nenhum motivo
ela mostra a foto do flagrante
ele diz que com ele é semelhante

ela diz que corta os pulsos
ele apresenta uma navalha
ela chora
ele é duro"
ela chora
ele vai embora?

terça-feira, dezembro 2

Conversando com Selton Mello.

Foi mais ou menos assim:
- A Erva do Rato. Só isso que tenho a dizer.
E aquele homem barbudo incrivelmente fofo me olhou com extrema surpresa. Sim, fofo é exatamente o que ele é.
- Você gostou, então... - me perguntou.
- Saí do cinema extasiada! Você e a Alessandra (Negrini) estão maravilhosos. É impossível negar a semelhança do filme com Blow Up (Depois Daquele Beijo). A relação do seu personagem com a câmera fotográfica e com a nudez da Alessandra... Não como algo sensual, acaba sendo, mas como arte. Pura arte. E a transformação dela em rato após uma "relação sexual" é uma sacada enorme, já que ela se transforma exatamente em o que o seu personagem mais odiava e ia em busca da morte, o verdadeiro rato. E com a morte dela, você continua a amando. Um amor que foi além do sexo e da própria vida. Você desiste de matar o rato quando "vê" que ela está se transformando em um, mesmo você não sabendo realmente e o odiando. Não entendi que ninguém gostou do filme, pelo menos os que eu conversei com.
- Nossa, que bom que gostou. Esse é um dos desconhecidos, ningúém nunca me aborda na rua falando sobre esse filme.
- Ah, você quer ouvir mais uma vez sobre a Compadecida ou Feliz Natal? Não, né?
E com um sorriso esbanjado na cara, nos despedimos.

Seria algo assim se realmente houvesse acontecido.

my guts.

estou com um novo tique nervoso.
quem adivinhar,ao me ver, qual é ganha um beijo.

-eu não prometo.

o rio não precisa de uma cidade da música.
o rio precisa é de música.