sexta-feira, dezembro 5

Moça Com Brinco de Plástico (Parte 1)

Ela se chamava Ela. Ela, era o nome dela. Usava brincos de plástico, sapatos antigos e uma longa trança que, achava ela, faziam com que parecesse ainda uma menina. Mas menina, era o que Ela não era mais. Sempre quis ver os “homens de branco” levar o corpo de alguém morto, deixava-a excitada. Mas isso era um desejo que mais tarde se realizaria.


Chovia insistentemente no centro do Rio. Ela estava na praça XV aguardando sua vez de partir num daqueles carrões que paravam e “raptavam” suas amigas que ali também estavam a esperar. Skatistas olhavam de soslaio para elas, mas não faziam nada, continuavam com suas manobras muitas vezes escorregando pela chuva.
Então um Picasso prata parou, Ela se inclinou para a janela do motorista, mostrou seus dentes limpos e ele a mandou que entrasse, não pela cor de seus dentes, mas pelos seios que ele podia ver muito bem pelo decote do espartilho.
- Só com o dinheiro na mão.
- E quanto é?- perguntou o sujeito.
- Depende.
- Um serviço completo.
- 400 reais.
- Mas tem que ser muito completo mesmo... Sai daqui, chama uma amiga sua aí que seja mais honesta.
Ela piscou os olhos, apertou os lábios e estufou os seios:
- Tem certeza?
Pronto, conseguira.
Entrou no carro e prosseguiram:
- Qual seu nome?
- Ela.
- Sério?- disse o homem rindo.
- Sempre falo sério.
O homem se calou.
Viraram na Avenida Rio Branco e seguiram viagem até o motel mais próximo. Entraram e tiveram momentos de prazer, Ela também gostava, não considerava apenas como seu trabalho, mas como uma arte que a deixava com prazer.
Deitados na cama comendo uva oferecida pelo motel conversavam:
- Seus peitos parecem duas montanhas, não grandiosas, mas únicas e empinadas, como aquelas em que há neve no topo e nada mais, parece um mapa a ser desvendado, passagens secretas, castelos, florestas, lagos.
Ela riu. Gostou do elogio, era diferente dos outros em que apenas falavam: “belo par de peitos”.
- É verdade!
- Acredito em você! Foi só diferente do que costumo ouvir. Na verdade não me falam muito, não assim, esses elogios.
- Acredite, são sinceros.
Ela sorriu, um sorriso sincero também, dos seus mais sinceros, era difícil, com sua profissão, se podemos chamá-la assim, tinha que saber a hora de sorrir, mesmo muitas vezes não querendo sorrir sorria. Mas esse sorriso era diferente. Era verdadeiramente sinceramente sincero.
- Se você sorri, é para melhor me invadir.
Levantou e foi até a janela, ficou a observar a cidade lá fora, um mundo a parte no momento.
- É tão bom olhar as luzes da cidade e ver que posso dormir a hora que quero. - disse ela.
- Como assim?
Ela voltou para a cama, se deitou e ficou a observar o próprio corpo no espelho do teto. O lençol vermelho o realçava, já que era toda branca, sem nenhuma marca de sol, seus cabelos negros realçavam a cor de seus olhos, pretos como duas jabuticabas.
- É sempre assim, não se entende nada. E numa noite acabamos morrendo.
Ele não disse nada, não precisava.
Ficaram em silêncio no resto da noite. Deu sete da manhã e resolveram se vestir, Ela perdera muitos clientes por ficar ali e não voltar a seu posto, e ele perderia muitos clientes naquela manhã se não fosse direto para o escritório.

2 comentários:

João Medeiros disse...

O plástico tem mais valor que a pérola, embora seja menos valioso - imagina o vermeer pintando em petróleo às 5 da matina - tinta plástica.

Sr. Despedaça Corações disse...

Eu nunca estive nesse diálogo.
Excetuando, talvez, a parte dos elogios diferentes na cama, comendo uva.

E eu adoro jabuticabas.
Será que encontrarei alguma no elevador?