quinta-feira, dezembro 16

quando a mão vomita lápis

Não importa a dor. Continua arrancando a pele em volta de suas unhas. Ela prefere saber como é a dor, sentir sua afiada fisgada, o ápice da pele sendo rasgada, a cor rosada da pele nova, o sangue que vai surgindo aos poucos, as manchas brancas (queumdiaumaamigadisseserdesnutrição) e quando tocava nos objetos, para saber (sósaber) como é o tato de tudo, e em seguida o cheiro, lera em algum lugar que a mania do toque representa desejo sexual reprimido, não reprimido em um sentido ruim, mas muito desejo contido, não em exageri, nem preso, apenas muito para aflorar. Se ao menos conseguisse se lembrar onde lera ou ouvira as coisas, um início seria diferenciar o que ouvia do que lia, mas só isso já era difícil. Preferia contar quantas linhas tinha seu caderno ou em quantos minutos comia uma maçã, nada como números, desde que simétricos. Parece que foi ONTEM que escrevera incontáveis 'ontem' com azul de cera na cartolina branca. Voltava a escolher a maior unha dos cinco da esquerda para limpar as da direita. Depois repetia com a maior da direita e tentava, em vão, limpar as da esquerda. A sujeira a incomodava, mas de tanto quebrar e lascar, várias camadas de unha, logo, várias camadas de sujeira. Gostava que acendessem seus cigarros, já um tempo pendurados em sua boca. Mesmo depois de acesos permaneciam em repouso entre os lábios apertados, até que os tirava e os lábios sempre reclamavam, um reclamo gostoso de ir contra. A unha no lápis girando, unha na madeira, de vez em quando, de quando em vez, o tato tem som.

quando o telefone

Quando desliguei o telefone vi que tudo continuaria igual, exatamente igual a antes de atendê-lo. Os doze minutos e trinta e sete segundos que se passaram foram uma dimensão diferente da qual ambos estavam em suas respectivas localizações no mundo. Eu ainda cheirava a hidratante, lá fora ainda chovia, Chopin ainda me entristecia. Só não sei se agora menos ou mais. Mas tudo permanecia. Menos você.

quinta-feira, dezembro 2

borboleteamento (de dispersão, girando em torno, mas muitas vezes de longe)

sorrindo para si mesma
cheia de descobertas e
mentiras adoráveis

e o vampiro de düsseldorf
me sorri e
me abraça mas
não me

tenho vontade e dúvida
vou descobrir
você

"no fim,
é sempre a mesma pergunta
o que é para mim?"

encaixes e contrastes #2

- Como é mesmo a frase do Bergson? "Existir é mudar..."
- Calma, to lembrando.
A Maisnova se esforça.
- Vou na cozinha olhar - diz a Maisvelha.
A Maisnova continua na mesma posição. Lembra! Diz.
- "Existir é mudar. Mudar é amadurecer. Amadurecer é criar a si mesmo, até o fim."
Ao mesmo tempo na cozinha a Maisvelha acompanha com os olhos sorrindo e pensando será que ela vai conseguir?

sábado, novembro 13

o vampiro de düsseldorf

Na primeira vez que ela o viu, este vestia chinelos, uma bermuda e uma blusa qualquer. Andava calmamente pelo corredor bege. Da sua altura, reparou em seu cabelo. Um misto de liso com embaraçado. Nos ombros, uma leveza branca. A barba por fazer casando com o azul dos olhos.

Na segunda vez que ela o viu, este estava sentado e lendo. Ela se aproximou e perguntou sobre as horas complementares. Ele indicou o filme. Ela não podia ficar.

Na terceira vez que ela o viu, este saía do cinema e ela entrava. Se reconheceram pelos olhos. Não ousaram se aproximar, mas sorriram.

Na quarta vez que ela o viu, estava atrasada para a aula predileta. Andando rápido e se desequilibrando nos próprios passos, acabava sempre se encostando pela parede. Na primeira curva que entra no corredor bege, na direção contrária vinha ele. Se deram um susto. Riram, tudo bem?, e continuaram seu caminho.

Na quinta vez que ela o viu, ele saía do posto de gasolina, sozinho. Ela, acompanhada, andava na direção contrária. Acenaram a cabeça.

Na sexta vez que ela o viu, entrou na sala da aula predileta e ele estava de costas, escrevendo algo no quadro. Ela reconheceu os cabelos lisos e embaraçados. Se sentou. Quando ele terminou, olhou para a turma. A viu. Seu olhar (naturalmente) demonstrou surpresa. Sorriu e saiu da sala. Ela foi atrás. Ei, qual o seu nome? M, tudo bem? Deu um beijo na bochecha e segurou em seu braço. A gente vive se encontrando, né? Ela se apresentou e ele a chamou para o evento 'do quadro negro'. Eu vou.

Não houve sétima. Ela não foi. E só porque finalmente haviam descoberto o nome um do outro, nunca mais se encontraram.

terças e quintas

Ele está sentado ali.
E ela ao seu lado. Seus olhos brilham quando se dirigem a ele.
Os dele sempre brilham.
Costumava sentir algo de especial quando dirigidos a mim, mas agora já não sei.
Suas sardas me deixam inquieta.

sábado, outubro 30

onde as palavras têm sabor

por mais suportável
ou por vezes agradável
a repetição que vem
amarrada ao pé da rotina
é acídia que me calça
como meias
continuo amando
,sem perder a fé,
a vida

porém, a capacidade de
investimento se torna ousadia

o jeito é me amarrar à jangada
mutilar o calcanhar e
dá-lo de isca aos peixes

cidade de gengibre

vivemos cercados de sofismas
insociável sociabilidade
você (m)ata cristo
mas não mata o cristianismo
fico com a pergunta sem resposta de
antoine: terá ou
não terá o carneiro
comido a flor?

sábado, outubro 23

mancha laranja na calça

Foi dormir do jeito (cor) que estava. Toda suja de giz. As mãos na parede formavam galhos. A sombra azul no olho direito. O bigode de mesma cor que já apagara com os dedos. Por baixo das unhas, pó colorido. Não gostava da sensação de arranhar o giz enquanto reproduzia sua mão. O homem aranha do band aind, laranja.

maio de 1998

já não penso
sinto o peso da claridade
(da verdade)
mergulhando o dedo em temperos anarquistas
estamos todos desinstrumentados
enfim

domingo, outubro 10

encaixes e contrastes

    As duas se consideravam desistentes. Largaram os diferentes esportes (algo do tipo) em dias consecutivos e se afundaram em suas ocupa;ões. Se encontravam por ali e por aqui, mas nada muito longo. A Maisvelha sempre de costas, luz branca em seu rosto. A Maisnova se despia, deitada na cama, enquanto esperava o fim de outra longa liga;ão. A Maisvelha queria usar short e, por isso, tomara a decisão de ir ao salãono dia seguinte. A Maisnova perdera seu caderninho (malditooqueachoumeuspensamentos) e chorava nervosa pelos cantos, fuma;a constante que gostava de soltar pelo nariz, seguia na tentativa de decorar aniversários.
    A Maisnova cansara de brincar com barbies, ursos de pelúcia e gnomos de plástico. Cansara de os obrigar a fazer sexo entre si. Não queria obrigar nada a ninguém. As lembran;as eram sapatos roubados por amigas do colégio. Aquele verde, nunca mais achou o mesmo tom de verde. Até pintá-lo em suas unhas. Que mania de comer borracha. Seguia na esperan;a de encontrar um novo piso.
    A Maisvelha não tinha amigos, grudava na Maisnova e como uma senhora rock`n`roll reproduzia seus pensamentos e sentimentos sustentada pelo que lera no jornal mais cedo. Sempre dependente da Maisnova, a pedia que enrolasse enquanto gritava o quanto a Maisnova era dependente sua.
    Um dia a Maisvelha chegou e disse que se matriculara na hidro. A Maisnova sentiu a agulha nas costas mas nada fez. Ela queria uma bicicleta, magra e cesta, podendo sentir o vento e música, com foto e memória. Nada melhor do que anota;ões para lembrar, fotos são secundárias. Obviamente chegaram a essa conclusão juntas.
    O problema é que de quando em vez a Maisnova queria ficar só. A Maisvelha entendia como aborrecimento e saía de perto. Não entendia que qualquer ruído importunava e a deixava enojada.
    Os problemas eram sempre resolvidos. Elas gostavam de falar e tentavam não deixar nada de fora (difícilsempredifícil), uma concordava com outra ou ao contrário e assim, discordando e concordando, gerando discórdia e concórdia.

massinha verde de nome erótico

o ardor come;a no céu da boca, passa para o nariz, e então vêm as lágrimas.
gosto tanto do seu gosto. ou será que é da cor? queria encher toda a minha boca, só para saber como é te morder, mas perderia meus olhos e provavelmente o paladar. nada que um bom copo d'agua não resolvesse.

*árvores, aviões, sabão, vidro, vinho, contrabaixos, sebo e soda cáustica

porque quando diz que
está voltando com a ex
penso em sair do celibato
única conclusão que chego
é que o difícil me é excitante

poderia dar cinco motivos
mas dou três
o segundo é por quem você é
o que chega a ser chato por ser óbvio por você já ter ouvido antes
o terceiro
e provavelmente mais importante
foi que encontrei o Coutinho
(nocinemanocinema)

sábado, outubro 2

entrando na floresta arranhando com galhos as pontas dos dedos

quão anárquio é ir
rumo à tempestade?
o homem de dentes tortos
inquieto pelo som do lápis no papel

triste chuva não ter som
depende do contato para se mostrar presente
e quem não?
sou mais ter cheiro
que só depende de um nariz

terça-feira, setembro 7

"a imaginação é menos rica que a vida"

porque agora ela só se interessa em esculpir o tempo
segue em busca de um indício de vida a cada imagem que vê
o sonho de ser maestra poderia se realizar
caso fosse mais teimosa e menos preguiçosa

domingo, agosto 22

depois do vinho, balas de menta

como sempre bem acompanhada, exclama:
- o que veremos, princesa?
a blusa manga três quartos e as meias roxas de lã. passa os dedos com esmalte descascando pelos títulos coloridos. chantal, então.

ouvindo birds, da emiliana ou crazy love, do buddy guy

de quando em vez
só você
desperta minha mão entre
seu cabelo e pescoço
tão pequena
me empresta sua pinta

segunda-feira, agosto 16

cinema tocado

resolvi seguir os passos do
velhinho Pedro, Mèliés e
seus dois acentos sempre me
pareceram interessantes visualmente

sendo amigos simplesmente
nesse ambiente de luz azulada
em paredes roxas
os dentes brancos dançam
entre alegre e triste
estar sozinha é pura liberdade
(será que alguma liberdade deve ser compartilhada?)
última das despedidas entrando no táxi:
- volto para as eleições.
completamente só, então
mesmo os uivos da noite
não me envolvem
a solidão é o meu lençol

sábado, agosto 7

são troncos empilhados
só posso subir e subir
estão apodrecendo
me agarro na lua
em alguma rachadura
que cabia exatamente
os cinco dedos
abro a lua entro
aqui, talvez
não me notem

terça-feira, julho 20

já dizia giacometti:

num incêndio, entre um rembrandt e um gato eu salvaria o gato. e depois deixaria o gato partir.

o piloto de corrida diz para a mulher que senta ao lado do volante,
- entre a arte e a vida, ele escolhe a vida.

comendo um domingo

Dói. Porque foi você quem cortou o meu cordão umbilical. E com os dentes.

Não tinha sol.

droga, não fiz xixi roxo

não adianta!
não adianta!

não me contento.



(egoísmo)

domingo, julho 18

em éden, querubins e uma espada flamejante

trabalhar para rb a fez trocar a maneira de pôr o cabide na arara de seu armário. passou sete minutos trocando o lado do cabide, roupa por roupa, eram mais elegantes assim. o movimento do braço e pulso trombetas é uma dança. um pescoço de cisne com bicos azuis. em oito, abriu a janela e respirou a chuva. parecia tão fácil para ela. I want you to melt in the grass. e pela primeira vez sentiu medo do, antes, som tão agradável. sentiu que precisava de companhia. porém, a companheira de quarto (detector de mentiras) só gritaria sobre egoísmo. enquanto a única coisa que ela desejava era um abraço. e se ela não tem o que ela precisa, ela age estranha, distante (talvezrealmentesejaisso,umissobemseco). seu dedo queimado arde ao toque do sem querer porém roubado, vermelho stabilo schwan 306 HB=2 1/2

encontre-me ontem

no lixo, dois saquinhos de sopa e uma cartela vazia de remédios. acrescentou bordas mofadas de queijo. de repente, percebeu que não conseguia anotar seus pensamentos e ao mesmo tempo mexer a sopa. escrevia com a colher. e mais de repente ainda, o vento começou a rugir, furioso. obrigando-a a se esconder na branca cozinha com a vermelha penélope e a acinzentada princesa. o monstro parava. e de repente voltava, crescendo, voltando a rugir. pensou que estivesse dormindo. e não apenas dormindo. sonhando. o monstro, não ela. a madeira rangia a fazendo acreditar que algo pisava nos velhos tacos do chão de sua sala. foda-se, decidiu. abriu a porta que se mexia, saiu correndo pela sala e fechou as janelas. chegou a dar uma olhada para as árvores, só para garantir que se divertiam.

quarta-feira, julho 14

o céu que nos separa ou "in case of fire use the stars"

estar do seu lado
me deixa nervosa
não consigo
(não devo?)
dizer tudo que penso
nunca se perguntou
porque meu olhar não
descansa por muito tempo
em um lugar só?
ou porque minhas mãos
insistem em levar o veneno
aos lábios
o vício
que já não existe
sempre se manifesta
quando ao seu lado

sábado, julho 10

a segunda (por uma segunda vez)

     Não existe outro momento mais desolado da vida da cidade do que aquele que marca as linhas fronteiriças entre as pessoas que não dormiram a noite inteira e as que estão indo para o trabalho. Para Sabina, era como se duas raças de homens e mulheres vivessem na terra, as pessoas da noite e as pessoas do dia, que nunca se encontravam face a face, a não ser nesse momento. O que quer que Sabina tivesse vestido que parecia resplandecer durante a noite perdia todas as suas cores no amanhecer. A expressão determinada daqueles que iam para o trabalho parecia-lhe uma espécie de reprovação. Seu cansaço não era igual ao deles. O dela marcava-lhe a face qual uma longa febre, deixando-lhe sombras arroxeadas debaixo dos olhos. Ela queria ocultar deles o seu rosto. Inclinava a cabeça de tal modo que os cabelos o cobrissem parcialmente. Persistia o estado de espírito de perda.

sexta-feira, julho 9

engolindo flores

por que escolhe não me salvar?
me quer morta ou só
deixar sem ar
fazer achar que vou morrer
que não, na verdade você nunca
teve interesse em me tirar da água
fazer achar que o ar
chegará ao fim
mas antes disso ergue uma mão macia
cansei desse mar
essa rotina das ondas me dá repulsa
como não posso vomitar tudo
na sua cara
(porque é mais legal porque é contra as regras porque no fundo no fundo você nem nunca ligou)
só digo
quero um lago, com verde em volta e sombrinhas para proteger do sol

quinta-feira, julho 8

segunda-feira, julho 5

"essa música é tão boa que dá vontade de abraçá/la"

nós salgados no cabelo
calça dobrada para o
mar desafiar molhar
aqui e o ritmo
e então
dorme

e essas nuvens
ainda no horizonte
como explodindo
luiz e suas pintas
tranquilizam:
o vento está bom

parece que foi sonho
daqueles que você acorda
prestes a morrer
é possível morrer
de tranquilidade?

e esse blues infinito
especialmente para a
despedida das ruas
tortas, ainda de
manhã com o sol finalmente e
somente agora
dando um oi
então tchau respondemos
dando uma última
garfada na torta de
banana, o chocolate
ainda derretendo

quinta-feira, julho 1

a triste história de hendrika

enfiou os pés na areia quente
o mais fundo que pôde
aqui estarão seguros
supôs
em sete a maré alcançou seus
lábios
abriu bem a boca
engoliu tudo
depois de um profundo arroto salgado
olhou para os pés
não estavam mais ali
engolira junto com o mar

*marseille é mais longe ainda

seu cheiro me persegue
me obriga, sem esforço, a
lembrar sua barba meu pescoço sua
voz mutante seu
conhecimento encantador são
paulo é realmente longe foi
legal sei quê
sei quê lá
que fazer?
nem o aroma me desperta mais uma
vez gosto
da roupa do
cabelo da
bolsa de couro dos
tênis do
gosto do
cheiro só não
de você
só me pergunto porque não
terminou antes os fragmentos amorosos
até parece que não dei a entender que
estava todinha ali

a idéia aventurosa

"ainda quentinha, nada pode ser definido quanto a sua qualidade: tola? perigosa? insignificante? para ser mantida? para ser rejeitada? para ser desingenuizada? para ser protegida?" para ser?
rolando
de

r
em
thes

a segunda

     Antes que ele pudesse falar e feri/la com palavras, enquanto ela jazia nua e exposta, no momento em que ele preparava um julgamento, Sabina estava preparando sua metamorfose, de modo que, qualquer que fosse a Sabina que ele atacasse, ela poderia abandonar como um disfarce, largando a personalidade da qual ele se apoderara e dizendo:
     "Essa não era eu."
     Então, quaisquer que fossem as palavras dirigidas à Sabina que ele possuíra, a primitiva, não poderiam atingi/la; ela já estaria a meio caminho para fora da floresta de seu desejo, a essência já bem distante, invulnerável, protegida pela fuga. O que sobrava era apenas um traje; estava empilhado no chão do quarto dele, vazio dela.

com toda a licença, marisa

ela que descobriu o mundo e sabe vê-lo do ângulo mais bonito. descobre sensações diferentes. sente e vive intensamente. aprende e continua aprendiz. escreve diários, pinta lâmpadas, troca pneus e lava os cabelos com shampoos diferentes. costura, usa relógio de dar corda e anda de bicicleta dentro de casa. sabe espantar o tédio, cortar cabelo e nadar no mar. tem computador e rede, para dois.

terça-feira, junho 22

ai de mim, de nós dois

aquela madrugada deu em nada deu em tudo deu em sol

domingo, junho 20

como nunca olhei amélia, você nunca me olhou de volta

apoio todas minhas esperanças de te ver
de novo em anaïs:
o cinzeiro, as palavras, a voz
você
sinto sua falta
mas
rimas nunca foram soluções
por que tantas risadas
quando meu rosto estampa saudade?
e esses segundos empilhados
nunca tempo ler

desculpa

Oi, me atrasei, resolvi colocar tudo em ordem alfabética. Sei lá, deu vontade. Desde que deixei de ser dona de casa. Há duas semanas atrás a idiota da faxineira tirou da ordem. Convivi com isso por duas semanas porque estive bem ocupada. E talvez também por já em cima ter novas pilhas, sempre novas. E uma confusão só de letras. Ah, agora sim... O homem de óculos engraçados me olha de um jeito. E incríveis são as pontas todas coloridas de lápis de cera enfileiradas. Com a luz do globo formam sombras afiadas.

quarta-feira, junho 16

sentada no segredo

" Vou participar de um teatro de fantoches, ganhar 800 real pra quatro dias de apresentação. Olha que lindo"
" Você vai pôr uma luvinha e falar como criança?"
"Não, eu vou pôr um boneco e falar como criança. Porque meu papel é de menino."

ironia ou não.

sufoco, sufoco o segredo
não o deixando me contar
pulo em cima dele e digo:
fala, peludo!

quando o marcelo visita

     "Cara, eu fiquei em são paulo por 3 dias em um prédio que o elevador er(r)a assim: 11...12...14. Eles não botaram o décimo terceiro andar."
    "Que isso. Era um prédio antigo?"
    " Novo, cara."
    "Que isso..."
    A tevê faz ruídos. Não os decifro.

    "Aí, quer um batom?"

ali, ao lado do cinema

     Sentia o peso em suas panturrilhas enquanto encarava o chão meio tridimensional, pensou ela, cubos vistos de cima.Depois de tentar equilibrar o papel na montanha quatro vezes, na quinta cedeu, resolvendo permanecer no topo.
     Corredor apertado. Espera a vez de molhar as mãos. O da frente olha de soslaio e diz um assustado:
     "Boa noite!"
     "Boa noite", responde.
     "Me deu um susto."
     Ri. Lava as mãos e volta para a mesa. A outra, a do chapéu, levanta e vai em direção ao corredor estreito. A que ficou acende um cigarro e aguarda.
     "Boa noite."
     Sabia, pensa ela, esses conquistadores estão por toda parte.
     Depois de um posso me juntar e a fajuta desculpa do amigo que segundos depois aparece pedindo fogo. Dar uma chance dar uma chance dar uma chance.
     A próxima hora as duas passaram ouvindo sobre Paris e música. Deram poucas palavras, completando aqui e ali. Ah, até que são legais. E quando viu era meia noite.
     Começou a, responsavelmente, pensar na manhã seguinte que chegaria. A fábrica começaria a buzinar, era dia de jogo.
     "O amanhã chega hoje."
     E se despediram. Elas, cada uma dando o telefone para um. Não pediram os deles. E só na manhã seguinte, enquanto o trânsito contornava a sua cama, percebeu: aquela dupla de sambistas não ouviu uma sequer palavra de nossas bocas. O cantor só encarou a do chapéu, falava olhando diretamente para ela e, como era o que mais falava me fez sentir só. Só pegou o telefone dela. E o do pandeiro somente o meu.
     Ela, que sempre fugiu de obviedades, achou/os previsíveis. Olhou para o violão com lenço no pescoço e decidiu tomar uma segunda xícara de café.
     Não pode me fazer mal, pensou.

quinta-feira, junho 10

no recreio

"sabia que a gente devia ter trago o matte."
"é. sei como você se sente."
"acho que vou optar pelo chiclete"
"pode ficar com gosto estranho..."
"vou arriscar. quer também?"
"quero."
"vou de canela. você não gosta, né? tem de melancia, também. você prefere de melancia ou o do piupiu?"

moça de franja com gola alta

caldinho de feijão com cachaça pela
manhã
passeio de fusca, no estribo, pela
tarde
lã e vinho pela
noite
afago na sofia
pilar com ciúmes
guga ainda mais
quando de
manhã
de novo sol no rosto branco
pés descalços na grama fofa
cliques e suspiros
os flocos de poeira quando iluminados pelo sol,
dançam
o cheiro daqui
sempre irresistível

*alto aqui do sexto andar

como ousa olhar para cima?
a janela sempre foi
e sempre seria
meu esconderijo

não imagino o que passou
pela sua cabeça
"será que a verei ao olhar?"
"será que vejo o armário desenhado?"
"será que a luz ainda está acesa?"
"será que é mesmo virado para cá?"

de todo modo,
estava camaleoa no meu
esconderijo e você
simplesmente
me encarou

segunda-feira, maio 31

engolindo tesouras

despedida com um beijo
nenhuma confusão de línguas
ou seja
uma confusão só!

mistura café com madrugada mal dormida
pouco dormida mas tão tão
entre olhos que se abrem e tato
abraço e mão entre os cabelos

começo a desconfiar dessa
tara por almoços e nunca
pela sobremesa
sabia que o nome dela é cherry?
ou ainda quer um chantilly por cima?

sexta-feira, maio 28

engolindo palavras ou audrey envergonhada tira os óculos

e só agora percebo
dentro da minha caixinha
da minha caixinha! ainda
a peça de lego vermelha

hoje seus olhos estavam claros

sempre gostei dessa nossa mania de se esquentar. nunca esquecerei você soprando ar quente dentro das minhas meias e colocando-as rápido nos meus pés antes que o ar fugisse. abraçar esse peito de pintas é conforto (parecequeaindaestoudentrodevocê)
pesei?
- pão integral, cebola, tomate, cheiro verde, queijo minas... e música, meu bem!

quinta-feira, maio 27

"mamãe, esse sol que estamos tomando é o mesmo que iluminou rembrandt, napoleão, bach, goethe?"

minha companheira
me carrega
transporta
transborda
transforma

já chorei
já ri
já senti frio
já colori
já tirei foto
já vi filme
já nadei
encho seus lixos de cigarros
e pegadas (seis)
casa 85 anda com muito mato
perdi o tato
nunca mais sentei no "mamãe" que
marca lembrança no cimento uma vez fresco

onde o mundo é mais verde e
a chuva não é de leite

terça-feira, maio 25

Insustentável Asfalto

     Ele era desses que andava torto. Andava porque não tinha o que fazer. Andava porque gostava de sentir o tênis moldando os buracos da rua. Andava porque gostava de ver o grande cadarço (sempre tão longos, por que são sempre tão longos?) pulando de um lado para o outro. Andava porque era domingo. Porque tinha sol. Ele era desses que sempre usava uma calça jeans, não importa o quão quente estivesse, sempre de camisa com manga, normalmente lisas, de vez em quando alguma estampa sutil de vez em quando, só de vez. Em quando sempre olhando para as pessoas. Reparava em suas roupas, em seu modo de andar, o que falavam, com quem falavam, se falavam. Seu cabelo bagunçado atrapalhava a visão de quando em vez e tinha que tirar a mão do bolso. Movimento rápido tirava o cabelo da frente. Escondia a unha ruída. Os dedos amarelados acendiam outro. Continuava andando, nunca parava. Um livro que o interessa chama por seu nome numa vitrine, não pára. Não pára. Pára nunca. Até que ela.
     Ela era dessas que andava. Andava na vida porque era solta. A vida, não ela. Andava porque gostava de sentir o vento bagunçando seus cabelos bagunçados. Andava porque sentia o lenço amarrado em sua enorme bolsa (sempre enorme, porque sempre enorme?) acariciar suas pernas. Andava porque não era domingo. Andava porque tinha sol. Ela era dessas que só olhava para o céu. Sempre para o céu. Não gostava quando aviões ou helicópteros passavam, atrapalhavam as nuvens. Não se importava com o dia da semana, nem com o que iria comer de almoço no dia seguinte. Não se importava com nada. Não se importava. Ela era dessas que só usava short ou saia, sentia muito calor sempre muito calor. Blusas sempre coloridas, cordões budistas e tênis de longos cadarços. Pensava nos pintores que conhecia para definir o céu de cada dia. Os braços, como o lenço, dançavam de acordo com a orquestra do vento. Ela era destra até que ele.
     Parados lado a lado em frente ao cinema. Olhavam o mesmo cartaz. Nada ao lado. Nada atrás. Como uma garça, ela apoiava o pé na perna. Como meio sem jeito como era seu jeito continuava com a mão no bolso. Ele a notou primeiro, com sua mania de sempre olhar as pessoas sempre. Ela o notou segundo, tentando adivinhar que espécie de helicóptero era aquele.
     Talvez fosse domingo, afinal.

chá ainda quente esquecido sobre o piano afundando no mar

"usavam palavras grandes (ninguém, mundo, sempre) e apertavamse as duas mãos ao mesmo tempo, olhandose nos olhos injetados de fumo e choro e álcool
pois queríamos ser épicos heróicos românticos descabelados suicidas, porque era duro lá fora fingir que éramos pessoas como as outras
e dizer duramente que sim, que não, que tudo isso não é verdade, que todos nós, eu, ela, ele, todos os degraus e todas as sombras e todos os retratos fazemos parte de um sonho sonhado por qualquer outra pessoa que não ela, que não ele, que não eu

o mundo, apesar de redondo, tem muitas esquinas"

domingo, maio 23

hoje meu céu da boca acordou sem nuvens

sentadas na cama
arrancavam das páginas todas as aspas
e juntas
coloriam de letras
a própria casa:

o insustentável escancarava
o que pensava esconder
cartas estão na mesa
mas há sempre uma na manga
mistérios de cada um
no encontro de cada dois
coroa eu ganho, cara você perde

-mas isso tudo aí é um bando de coisa jogada!
respondo com mais uma
quero escrever movimento puro

regras para cima de mim, nunca!
estou que é só fantasia

um brinde a ti

"Bebo o suor e o prazer,
a dor e a mentira.
Me consumo em dias, anos
de perfeita inocência
para perceber enganos, traições.
Naufrago sem erguer meus olhos
com pensamentos arrojados.
Não sei mais qual o trago,
bebo o cálice da solidão
e brindo a ti."

terça-feira, maio 18

vamos aos lençóis

- sabe o que eu acho? - se sentia confiante - eu acho que daqui há três, cinco, vinte, sessenta anos a gente vai voltar a transar loucamente e será orgástico e será muito divertido.
- acho bem possível.
ele rindo.
ela fingindo ser engraçada.
- ei, daqui há sessenta anos você já será bem velhinha para ser orgástico. vai estar tudo funcionando?
- diga-me você! comigo estará tudo muito bem. se não, não me chamo Miss Daisy.
olha em seus olhos.
ela triunfa.
- você pode ser meu motorista negro.

"preciso anotar uns pensamentos"

pensou ela.
há muito tempo não sentia o prazer de cortar o papel com a tesoura. seguia com minha de ferro dourada por uma linha infinita azul. os desenhos nela eram ondas que dividiam o rastro de tinta.
automaticamente imagens me saltam da infância.
vejo em minha frente montanhas de papéizinhos picados, uma tesoura na mão, um leve sorriso nos lábios.
tudo isso (eu) poderia ser definido como 'coisas estranhas que crianças sentem ao fazerem coisas estranhas'. mas, de repente, uma imagem mais recente.
- menina, larga essa tesoura, você sempre fica segurando isso.
acho-as elegantes, explico.

domingo, maio 16

a casa de sandro

o homem folha
mas ele é tão gente

som da câmera dando zoom
mudando foco
sandro no telefone verde limão

"dá uma coceira gostosa"
os sons se tornam personagens

lá parece ser frio
quase sinto o cheiro do mato
todas as cores que não a verde
são intrusas
intrusas muito bem vindas
como as nuvens são do céu

sandro mastiga
engole
e continua mastigando

quem é essa mulher espreguiçando
que te arrasta pelo jardim?

com sussurros constantes
gostei de te ver no fim

sexta-feira, maio 14

essa casa vazia cheia de bugigangas

esse casulo quentinho. toda de azul meias vermelhas torrada com mel bernardo, mon amour da janela fogos de artifício cavalo branco chamado cocaine isqueiros tesouras anéis taças turquia folhetos exames linhas abajur giz sofá ingressos tênis vela garrafa vinho aurora encartes incenso você
constantemente espirrando fumaça

duas mariposas nesse conforto

deitada na cama. a saia preta de veludo já acumulando fiapos. o cabelo preso todo bagunçado. fios se acomodando no pescoço. um braço com vão em formato triângulo. trombetas no pulso sustentando o peso de sua cabeça.
- o que você acha de eu ir com aquele vestido meu compridão e o tênis dourado?
- aquele do botão de madeira?
- é.
- acho ótimo.

quarta-feira, maio 12

endlosung der judenfrage

saiu tão bem na foto
vejo que entendeu o que faziam
devem ter gritado por seu nome
o fizeram olhar
tirar a atenção do jornal
sempre no colo
gostava de quando você
rasgava
folha por folha
às vezes comia guardanapos

seu olhar me atravessa
você é a parede atrás
um muro de tijolos
como qualquer outro
grita por liberdade
sua revolução interna
de conseguir
enfim!
dizer o que pensa
é angustiante
mas não consegue
desiste
desviando o olhar

sua blusa amarela
que mais parece um vestido
nesse corpo gélido
suas palavras são fracas
seu sorriso diz mais
sorriso:
"não te reconheço, minha cara
mas sei que é querida por aqui"
agradeço devolvendo
sorriso:
"te amo"

rolando de bar em thes

"não tenho que conhecer o outro; sua opacidade não é de modo algum a tela de um segredo, mas sim uma espécie de evidência, na qual fica abolido o jogo da aparência e do ser. Experimento então essa exaltação de cheirar profundamente um desconhecido, que o será sempre: movimento místico: tenho acesso ao conhecimento do desconhecido"

segunda-feira, maio 10

engolindo algodão

que belo céu me reina
nessa maldita espera
pasto,
logo existo
há, se você tivesse heterocromia!
meus lábios estão roxos do
frio da janela
minhas tranças chegam ao chão
"você também me
pertence", diz o mundo
R. é um caval(h)eiro
o contrário nunca passou
pela minha cabeça
conclusão que chego
modalidade: mutável

sábado, maio 8

porque a vida é tão mais bonita com Mozart

parece que a cidade toda está em cinzas. nem o céu está tão azul. o moço do rabo de cavalo me vendeu agosto e feliz ano novo por 12 reais. nossos sorrisos se encontraram. folhas saem pela grade da janela em frente. em constante fuga se contorcem em busca do sol. e quando a "linguagem é uma pele: esfrego minha linguagem no outro. é como se eu tivesse palavras ao invés de dedos, ou dedos na ponta das palavras" como se fosse sabão, começo a desaparecer de tanto roça roça.
(me sangra! me sangra!)

quarta-feira, maio 5

como a galinha do jesuíta kircher, provisoriamente defascinada

Comendo pão de mel, acompanhando toddynho. Roland sentadinho no meu colo. Ao lado a bíblia (com bordas de páginas azuis). "Não acredito que ela ainda não terminou", penso furiosa. Me fascino com o cheiro forte de livro antigo. 6ª edição, de 1977, sem ter perdido nenhuma página está ali (pronto) para eu me deliciar por uma segunda vez. Senta aqui que vou te devorar.

terça-feira, maio 4

com seus dedos rechonchudos e
unhas milagrosamente feitas
ela apontava explicando o que
ali antes era
lágrimas escorrem por
seus olhos e corro para abraçá/la
com algumas já em minhas bochechas
de volta à garupa da moto
me despeço
enquanto o sol
(ou o céu?) implora:
fica

cansados marimbondos em suas casas no telhado

tristeza!
não mais ervas daninhas
por entre os dedos do pé
leite direto da vaca
em bule de chá
(um dia ainda
bebo daqueles que sai pelo nariz
da vaquinha, de porcelana, que nem
nos filmes do bernardo)

tristeza!
mudaram o nome
da manteiga
nome estrangeiro
invadem tudo invadem
dor de cabeça
barulho até às cinco
dizem que o prefeito é muito religioso
sempre sai com um terço das festas da
cidade

com lágrimas nos olhos
tia nádia se despede
embaixo de um braço
um pote de pêssego em calda
do outro
uma saudade que esquece o alvo
se perde entre tantas memórias
esfumacentas

domingo, maio 2

cavalo chamado moleque, porta guardanapo de papai noel fora de época e coca cola em garrafa de vidro com tampinha de plástico

o vento sussurrava enquanto
o sol beliscava meus cílios por entre
as árvores

o longo campo suspirava verde
e minha blusa extremamente laranja
extremamente laranja tentava
chamar atenção ao redor

os passarinhos mais alto que os grilos
aqui não tenho vez,
concluí

mais tarde muita vodka
menininhas de salto ou bota
vodka
hello kittys tampando o sexo de shreks
vodka
mulher gorila
3 maçãs do amor por dois reais
o que por aqui chamam de música
vodka

e com olhar inquisidor
a imagem daquele cara dos olhos azuis
e braços abertos

lar (de alguém)

mala de um lado
lenço verde voando de outro
a chuva interrompendo sua visão
luísa fugindo para a infância
passará 3 dias subindo em árvores
roubando manga
(mas não era época)
3 dias com hora para comer
3 dias ouvindo histórias de quem já não está nesse mundo de cá
mas é tão lá

engolindo peças de lego

"oi moço, você pode deixar isso no 1104, por favor?"
"claro, é pra D.?"
"não, é pro A. não tem um?"
"tem sim. saiu agorinha mesmo. ele sabe que você vai deixar?"
"sabe" sorri.

sexta-feira, abril 30

debaixo do arco íris que coleciona chuva

abriu a porta com a Madame Bovary embaixo do braço. sua constelação de pintas à mostra com o casaco semi aberto. um sorriso. um beijo. depois de dedilhar olhou pra mim. lá em cima tudo ok. parecia tudo bem. mas foi rápido demais. estava tão distante...
- então, esse...ou esse?- apontei para os dois dvds, me enrolando no lençol.
escolheu.
- tá, mas só se você me agarrar durante o filme. - condicionei.
ele riu. Aceitei como um sim, qualquer um aceitaria como um sim.
a leoa recuperou sua cria e tudo está bem na selva (ainda enrolada no lençol).andando até a cobal.embaixo do guarda chuva colorido me deu um estalinho, nem estalo fez.
- então tchau.- se afastou.
(sinto lhe dizer, mocinho, faltou paixão nessa despedida e, sabe, eu PRECISO de paixão)

quarta-feira, abril 28

kit em mim

"O mesmo céu ardente e límpido que ela vislumbrava pela janela, de onde estava deitada, repetia/se dia após dia, como um mecanismo cujo funcionamento era totalmente independente dela, um poder que seguia seu curso, deixando/a abandonada. Um dia nublado, assim imaginava, lhe permitiria emparelhar/se novamente com o tempo. Mas quando olhava, só conseguia enxergar lá fora a mesma vasta e imaculada claridade, implacável sobre a cidade."

segunda-feira, abril 26

vou abrir seus olhos nem que tenha que arrancar cílio por cílio

Fumava meu segundo cigarro de caderno aberto, caneta na mão. O que escrever sobre isso tudo? Olhei páginas antigas e me deparei com uma fala de um filme: "Perspective is what shuts out the universe. Everyone with their little perspective. It keeps the love out." Foi como um estalo, uma epifania. Entendi, de uma só vez, que estava criando mais história aonde já tinha uma grande, dolorosa, bonita e satisfatória. Analisei meus últimos curtos relacionamentos e percebi que com o último ocorrera o mesmo: me precipitei e acabou dando tudo errado. Mexi aonde não era para mexer. Por que tentar melhorar o que já está bom? Por que sempre mais, mais, mais e mais? Vi que seria mais feliz se não segurasse meus desejos e simplesmente continuasse o que antes era tão bom.
Tirei meu celular da bolsa. Eram 15:10. O filme começava às 15:40.
Digitei: Cara, VIAJEI. Consegue chegar no Estação em meia hora?
Passaram 10 minutos. Ok, pensei, ele pode nem ter visto a mensagem. Sentei num banco dentro do cinema e abri meu livro quando o telefone.
- Oi, é....eu acho que você me mandou uma mensagem errada.
Ri.
- Não foi errada.
Silêncio curto.
- Então tenho 20 minutos? Compra meu ingresso.
Comprei. Voltei pro banco, abri o livro. Já estava na hora. Relaxei mesmo com meu nervosismo de não perder as luzes se apagando. Estava concentrada nas últimas linhas do capítulo quando sentou ao meu lado. Dei uma olhada rápida, com medo do que meus olhos podiam dizer. Ele olhava para frente. Calça listrada dobrada, sandálias de couro, blusa branca.
- Vamos? - marquei a página com o marcador que ele me dera de presente. Percebi nesse momento que seus lábios formaram um sorriso. Deduzi ser pelo marcador, mas não tinha certeza.
Dei os ingressos à mulher da porta. Corri para pegá-los de volta antes que ele pudesse ver qual o filme.
Sentamos. Eu na poltrona 3, como sempre. Ele na 4.
Os trailers nacionais denunciavam um filme brasileiro. Não sei se ele sacou antes ou só quando começou. Pude perceber um fraco sorriso se abrindo quando o título apareceu.
Não nos tocamos em nenhum momento.
Esperamos os créditos acabarem e fomos para o bar mais próximo.
Falei. Falei. Falei.
Ele parecia desconfortável. Ainda não sei se acreditou no que eu disse, se entendeu.
Fome. Fomos para outro bar, comeu dois sanduíches e bebemos umas três. Andou como um chimpanzé de mãos dadas comigo em volta do bar. Não fiz a dancinha da garrafa. Jogo terminou, perdi.
Senti que começávamos a nos soltar. Quando fui ao banheiro, me deu um beijo na bochecha.
Fomos para outro bar, uma cerveja.
Ideia incrível de andar de bicicleta. Não andava desde meus 9 anos. E como com tudo em minha vida, já tinha esquecido como me equilibrar.
Ele me ajudou e deu nota 7 ou 8, não importa. Tomamos mais cerveja deitados na ciclovia da Lagoa, olhando a lua que começava a ficar cheia, crateras visíveis, poucas estrelas.
Guardamos as bicicletas.
Como um bom classic feeder, me alimentou.
Fui para casa.

Só quero saber se ainda se sente à vontade de me mostrar seus olhos apaixonados.

* voltando de viagem

estava ouvindo devendra
quando você me achou

ah, adorei a barba

sábado, abril 24

silêncio afinado em si

há tristeza em meus olhos
meu coração bate em
minhas amígdalas
o café quente passa
destruíndo a falsa calma
que criei
sinto minhas lágrimas na perna

impassível
nenhuma caiu
até o barulho da grade do elevador
quando abri os olhos
tudo era embaçado
estava no chão congelante
da cozinha

o elevador caiu
(não pela última vez)

quarta-feira, abril 21

rapidinhas

"Ai, que lindo!", exclamou ela.
Olhou para mim com olhos alegres e disse: "Só coisa de doidona mesmo, ficar admirando o gelo".
Ri.
"Ai, vou pegar meus óculos", anunciou, "ver isso de óculos será o máximo".
Corri para anotar.
"Olha isso aqui!"
Olhei

Ascendi.

sexta-feira, abril 16

a poesia é a minha preguiça

aparência mutante
arrisca um blues
em cima do israelense

saber que alguma frase minha
marcou em sua mente
ah, nem parece
mas é!

tava na onda de que
era mais fácil rir
do que ficar normal

vai,
um traguinho é que nem um cafézinho!

vamos nos meter
por dentro de uma cama
enorme com montanhas
de lençóis desarrumados?

quinta-feira, abril 15

Rio, 27/02/2010

Remetente: Pluma e Pétala
Destinatário: Ervas Daninhas, 8cinco

Caros residentes da casa oitenta e cinco,
somos amigos de sua calçada. Debaixo dos ramos aconchegantes das suas videiras já encontramos abrigo, eu e ela, da chuva e das nossas próprias dores. Obrigado por conservarem o que dividimos, ainda que vocês não o saibam.
Enquanto as árvores se confundem com parede, nos confundimos em nós mesmos, eu e ele, dançando no infinito do 8 (a dois) ou chorando no solitário cinco (sozinha). Que mais flores e amores se multipliquem por entre os galhos e telhas, nunca deixem de tê/las.

sexta-feira, março 26

giz

- ele corrigiu sua árvore, mãe.
- eu só estava fazendo carinho nela - se defendeu.
- carinho aí machuca, ela some.
é pouco
- carinho aí mata, ela some.
e ele ousou a fala da árvore:
- "você me apaga com todo esse carinho"

Chocolate dos Prisioneiros ou Shots de 24h

fundição.
cara doidão
não
segura a escada
um brinde para cada um dos três
a rua preenchida pelo grito da gaita
- olha a princesa se encostando nele!
ai gente, pensa nos presidiários

é a crise das batatas

sanduiche de vidro

os pedacinhos se esfarelam
em minha boca
bolinhas se formam
em meus lábios
logo escorrem pequenas gotas
o que tem medo de sangue
olha pro lado
o que quer me despedaçar todinha
encara
desde quando resisto a olhos tão
encantadores e ameaçadores?
encantadores por serem uma ameaça

meus amores são curtos
frescos
preciso de vento
nada requentado
nem guardado em potes de sorvete
no congelador

por isso saio assim:
os lábios manchados de sangue
meu, sempre meu

o amor espreguiça.

rua goethe - onde o mundo é mais verde e a chuva não é de leite

vou ligar todas as suas pintas
com uma caneta bic
e depois nomeá-las
uma por uma
para enfim
te filmar fingindo bocejar

segunda-feira, março 22

piteira da sorte

resolvi
percebi
vamos encarar, então
to encarando
você desvia os olhos
tenta
só tenta
me convencer
que é timidez

desço a rua
sozinha
vejo 4 símbulos
se atracando com uma loira
loira?!
minhas pernas sentem a preça

oi
me liga
gostei de você
também

talvez por ele
o 4 symbols
procurou uma loira
ou por ser sua natureza
me engole
então
NATUREZA

sexta-feira, março 5

amor, música e cebolas

tento
em vão
desviar o olhar
das fotos de
outro verão
esse outro amor
preso no frigobar vermelho
esconde a dor
enquanto elogia o meu cabelo
você diz:
-ele tem um quê de desarrumado que me é preocupante

me fascina

você é como uma monalisa pintada por pollock

me conquista quando exclama:
- uou! que cebola arretada!

domingo, fevereiro 28

para a moça sem jardim

"Hoje eu prefiro aqui
no silêncio eu falo com os olhos
ela anda na areia da praia
o Om divino saindo da garganta
e sem ela saber
meu silêncio estica os dedos de seu pé
e beija o Om que sai de sua boca"

"que só é verdadeiramente vivo o que já sofreu"

Aquela parte de mim presa em uma caverna
Selvagem grita, selvagem deseja salvar-me
minha teimosia é filha de suas quedas
ela uiva e sangra sem fim

kerouac, marcos moreira.

"aproveite a licença poética das eternas aventuras inesquecíveis"

Indeciso entre despertar e saltar do sonho
matar o sonho no sono ou
beber a ilusão e parar
temendo ferir peles finas
incapazes de aventuras fundas
como poderá a verdade doer tanto
se ela é a finura?

kerouac, marcos moreira

sábado, fevereiro 27

odiaemquenascifoiodiamaisfelizdaminhavidapoistevi

meu esmalte carmim combinando
com as flores do seu vestido
enquanto me envolve
com amor
agradeço molhando todo
o seu peito
as flores murcham
meus olhos incham
a dor aumenta
ouço seu coração
me tranquilizo
lembro de quando
estava dentro de você
onde o mundo ainda não existia
e nada
me alcançava
só a sua voz
numa canção de niná bem
rock 'n' roll
nada serve de chão onde cairão minhas lágrimas.

segunda-feira, fevereiro 22

caçadores de borboletas

o tango de nós dois soava
uníssono
meus pés
em cima dos teus
o beijo

o elevador está lá
em cima
fervendo
no último andar
pronto para despencar
não importa onde vou pousar

ser há uma queda?
de calça jeans
(que não usava desde o ano passado)
disse:
- obrigada por me deixar adormecer em seus braços

carta nominal

Mentira,
maliciosamente me envolveu como nunca achei ser possível
gostou de rasgar minhas meias com sua brasa do cigarro pela metade
incendiou tudo a sua volta restando apenas
(finalmente)
a verdade.

Ilhados

Há 30 dias não chovia. O asfalto quente engolia todos que se aventuravam. Quando os trovões começaram, acharam que algo ruim poderia acontecer. Já virou costume. Sempre esperam pelo pior. Saí do supermercado com o carrinho como fardo, já abandonara o uso de sacolas plásticas. Na esquina, esbarrei com você. Cômico. Desastroso. A rua já enchia e minhas havaianas sumiam quando, ao procurá-las, só conseguia ver o reflexo dos prédios. Não tive escolha. Te chamei para entrar.

aquela conversa que não terminamos ontem

gustavo,
o menino cineasta
que graça
arranjei uma namorada
e não posso te beijar
mande lembranças


-luísa em janeiro

quarta-feira, fevereiro 10

aspas

o meu silêncio se lê cio.

sexta-feira, fevereiro 5

AMOR

como um velho remorso
ou um vício absurdo
passa e fica
pacifica

sábado, janeiro 30

no elevador
rouba um beijo
mas não foi assim
não
desviei o rosto
afastei os lábios
- deixa eu roubar
deixo não

* (desenterrando)

ah
há quanto tempo não mencionava
seu nome?
relembrando noites
de vinho
o seu desejo
desesperado
e eu
relaxada
fomos sempre
tão
diferentes
falei
falei bastante
A ficou surpreso
B, curiosa

terça-feira, janeiro 26

só não sei o tamanho do seu

Que cor terá se derreter?:
ja vi sim
ta gostosinha

André:
ta melhor que a passada?

Que cor terá se derreter?:
aham
nao muuuuuito
mas melçhor

André:
entendi
bom, vou indo sua feia
( uma tosse na sua cara com a minha boca bem aberta)
te amo ( essa é a minha ultima frase da conversa)
te amo

domingo, janeiro 10

 perfect, Zé?
 corn flakes?
 PERFECT
 perfex?

sábado, janeiro 2

calessaboca

saudade das verdadeiras mentiras
quando a verdade
, na verdade,
é que sinto sua falta
tanto

nada é escandaloso
tudo é um jogo divertido

é como se eu despejasse dados vitais

levou três tiros
foi cambaleando até que caiu
morreu ali mesmo
de cara para o edifício
a velha do sétimo andar pendurava sua roupa no varal