terça-feira, maio 25

Insustentável Asfalto

     Ele era desses que andava torto. Andava porque não tinha o que fazer. Andava porque gostava de sentir o tênis moldando os buracos da rua. Andava porque gostava de ver o grande cadarço (sempre tão longos, por que são sempre tão longos?) pulando de um lado para o outro. Andava porque era domingo. Porque tinha sol. Ele era desses que sempre usava uma calça jeans, não importa o quão quente estivesse, sempre de camisa com manga, normalmente lisas, de vez em quando alguma estampa sutil de vez em quando, só de vez. Em quando sempre olhando para as pessoas. Reparava em suas roupas, em seu modo de andar, o que falavam, com quem falavam, se falavam. Seu cabelo bagunçado atrapalhava a visão de quando em vez e tinha que tirar a mão do bolso. Movimento rápido tirava o cabelo da frente. Escondia a unha ruída. Os dedos amarelados acendiam outro. Continuava andando, nunca parava. Um livro que o interessa chama por seu nome numa vitrine, não pára. Não pára. Pára nunca. Até que ela.
     Ela era dessas que andava. Andava na vida porque era solta. A vida, não ela. Andava porque gostava de sentir o vento bagunçando seus cabelos bagunçados. Andava porque sentia o lenço amarrado em sua enorme bolsa (sempre enorme, porque sempre enorme?) acariciar suas pernas. Andava porque não era domingo. Andava porque tinha sol. Ela era dessas que só olhava para o céu. Sempre para o céu. Não gostava quando aviões ou helicópteros passavam, atrapalhavam as nuvens. Não se importava com o dia da semana, nem com o que iria comer de almoço no dia seguinte. Não se importava com nada. Não se importava. Ela era dessas que só usava short ou saia, sentia muito calor sempre muito calor. Blusas sempre coloridas, cordões budistas e tênis de longos cadarços. Pensava nos pintores que conhecia para definir o céu de cada dia. Os braços, como o lenço, dançavam de acordo com a orquestra do vento. Ela era destra até que ele.
     Parados lado a lado em frente ao cinema. Olhavam o mesmo cartaz. Nada ao lado. Nada atrás. Como uma garça, ela apoiava o pé na perna. Como meio sem jeito como era seu jeito continuava com a mão no bolso. Ele a notou primeiro, com sua mania de sempre olhar as pessoas sempre. Ela o notou segundo, tentando adivinhar que espécie de helicóptero era aquele.
     Talvez fosse domingo, afinal.

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