domingo, setembro 7

3 minutos.

Fiquei durante uns trinta segundos olhando para a panela. Vi a água borbulhar cada vez mais rápido, o miojo se mexia calmamente, ocupando seu lugar, enquanto a água abria espaço para evaporar.
Pensava se o que eu estava fazendo era certo, se adiantaria alguma coisa. Ficar sem falar com meu pai por um tempo, o necessário, faria com que ele mudasse em algo? Faria com que ele visse que estava errado? Ele nem sabia que eu estava sem falar com ele. Percebeu, apenas, que eu deixara de responder às suas conversas inúteis. E ao perceber, todo nervoso, que eu não queria conversar, disse:
- Ta nervosinha, é? Todo mundo tem problema, sabe? Não precisa ficar ignorando seus pais, e nos tratando mal. Cresce um pouco.
A questão é: ao dizer que precisava ficar no computador, porque precisava de tais letras e cifras naquele momento, ele quase me tirara à força de lá. Me tratou como se fosse um cachorro. “Ah, não Lú. Agora já deu. Cansei. Vai ter que sair.” E ao perguntar a ele o que de tão importante ele tinha para fazer no computador ele disse que queria ver seus e-mails, e suas músicas, que a minha mãe já estava chegando em casa e que ia precisar usar o computador, como sempre, que era um vício dela, que não conseguia saber a hora de parar, queria ficar no computador mais e mais e mais (ele não sabe o significado da palavra vício). E eu a defendi, disse que ela precisava trabalhar e pagar o que ele comia e onde dormia, ela só fazia tudo aquilo para nós três vivermos, e pra isso ela precisava do computador, ele não via isso. E ele, o ser mais egoísta que já vi: esse computador é meu e eu nunca consigo ficar com ele! É impressionante! Seu, pai? Perguntei rindo. Ele, gritando, disse que era dele sim. Eu ria quase chorando de raiva. Não acreditava naquilo. Pela primeira vez ele tinha algo (um computador!) e compartilhava com sua família. Mas ainda assim, não conseguia compartilhar totalmente. Precisava dizer que era dele, precisava me tirar dali a força. Levantei da cadeira, já não agüentava mais ouvi-lo me criticando e perguntando toda hora o que faltava pra eu escrever, simplesmente me expulsando dali. Se ele tivesse me tocado, não sei o que faria. Simplesmente encostado um dedo em mim, não sei o que faria.
Disse a ele que fiquei muito chateada, que ele não tinha noção do quanto me deixava chateada fazendo aquilo. Ele não disse nada, sentou no computador (a criança calou ao conseguir seu sorvete). Eu saí, sem dizer tchau. Passei o sábado inteiro sem trocar uma palavra, ele percebeu. Domingo, ao ir preparar meu miojo, ele disse tais palavras anteriores, e eu disse: eu falei pra você pensar um pouco, nem sempre as pessoas devem te dizer sempre o que está acontecendo.
Ele não tinha nem noção de que era com ele que eu estava chateada!
- Ainda é aquilo de sexta, do computador????- disse ele todo indignado.
Não nos falamos mais. Estou pensando se eu talvez devesse esquecer isso. As pessoas sempre se arrependem das brigas. Após a morte de tal pessoa, elas sempre pensam: por um motivo bobo, deixamos de viver. Mas o meu motivo não era bobo. Não era o computador. Era ele, era todo esse egoísmo assassino que ele esbanjava. Não agüentava mais. Ele era literalmente a pessoa mais egoísta que conheci, meu pai. Não queria me tornar igual, era meu maior medo.
Lembro que senti como se eu fosse a mãe dele, dizendo não ao não querer sair do computador. Um primeiro ‘não’ que ele estava levando. Esse era o problema, seus pais nunca haviam dito um ‘não’ em toda sua vida. Por um lado, não era culpa dele. Foi sua educação. Mas não devo ser só mais uma a passar a mão em sua cabeça e pensar: coitadinho, não é culpa dele. Ele simplesmente não vê que isso é errado.
Ele tem 54 anos, e quer ser tratado como uma criança. A criança que ele sempre foi. Eu nunca me senti a vontade de contar algo meu, algo que viesse dos meus sentimentos. Ele nunca dizia algo. O que ele precisava era de alguém que o ajudasse. Agora, que ia operar, só falava nisso. E sua mãe. Nunca consegui literalmente contar nada a ela. Está sempre com vontade de mostrar o quanto é doente e quantos comprimidos toma por dia.
Ele tem que aprender a conviver. Ou então acabará sozinho, eu me recuso a viver ao lado de alguém assim.
Então mergulhei o garfo na panela.
O miojo estava pronto.

5 comentários:

Anônimo disse...

Pensou em bastante coisa em apenas 5 minutos... queria poder usufruir de 5 minutos assim como você...
Tomara que seu papai mude...
Bjuu

Anônimo disse...

eei, quem és tu?

jackinthebox disse...

Ele tem que aprender a conviver. Ou então acabará sozinho, eu me recuso a viver ao lado de alguém assim.
Então mergulhei o garfo na panela.

incrível :}

Anônimo disse...

e dany, quem quer que você seja,
ninguém muda a maneira que foi criado após 54 anos..

Roger disse...

ele não pode mudar,por isso podes aprender com ele,observe...muito!