domingo, outubro 5

Maio de 68.

Sou a terceira pessoa a entrar na sala. Dois velhinhos estão em lados opostos e decido sentar relativamente no meio deles. Uma mulher e um senhor entram, pareciam pai e filha. Ela, à frente, escolhe o lugar, ele senta com um suspiro e diz algo o qual não entendo. Ela, impaciente, pergunta se o lugar é ruim, ele diz que não sabe, ela diz:
- Não dá pra ver?- apontando para a tela.
Entra um jovem casal. Tanto ela quanto ele, lindos. Entra um adulto, na casa dos 25. Aparentemente sozinho, como eu.
Silêncio. Cadê a música simpática de espera? Todo cinema devia ter. Ou não. Tais músicas poderiam incomodar e muito. Afinal, é o cinema que reúne a maior variedade de pessoas. E elas não necessariamente compartilham o mesmo gosto para música.
Gostei do documentário. Me fez ter uma maior noção da tortura por parte dos policiais aos estudantes. Mas senti falta de explicar os motivos para as revoltas estudantis. Sorte minha conhecer o assunto. Mas e os que o desconheciam?
Ao sair, ouço uma voz conhecida. Está tocando Björk e eu sentada numa daquelas gigantes cadeiras de palha. Me deixo confortável e me preparo para as duas próximas horas de espera até o próximo filme: Paris. Voltarei para casa falando francês. Dou uma lida no livro de português tentando me preparar para a prova do dia seguinte, mas não consigo. Queria poder encostar e dormir. Mas penso em como fazer com que minha mãe pare de fumar. Aos poucos ela está se matando. Gorda como nunca, fumante como nunca, trabalhadora como nunca.
E então, começa a tocar Love Is A Losing Game. A canção mais verdadeira que ouvi nos últimos meses. Ninguém entende esse meu vício pela Amy, mas é que simplesmente encaixou perfeitamente na época em que minha vida se encontra. Ela canta o que eu penso, ela chora o que eu sinto. E para minha felicidade Me and Mr John começa a tocar, parece que várias músicas dela tocarão. E não estou mais sozinha. Pelo contrário, estou sozinha, mas ao lado dela.
A criança descobre seu reflexo e não consegue parar de rir. Amy toma seu primeiro pé na bunda. O homem me observa escrevendo. Continuo cantando. Olho para ele e ele faz um gesto indicando querer minha caneta. A empresto. Ele elogia minha camisa do filme Laranja Mecânica e termino de cantar Cherry. Meu relacionamento com ela acabou de começar e não é nenhum admirador de Kubrick que irá mudar isso.

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