domingo, agosto 17

Cores, Cores e Cores.

Apaguei meu vigésimo cigarro. A noite parecia bem mais longa do que realmente era.
Olhava a mesa tentando me distrair com o resto de café entrando pelos espaços da madeira. O dálmata estava quieto apoiando a cabeça pintada sobre suas patas. Encontrava-se em frente à porta. Parecia que esperava alguém.
Olhei para cima e me deparei com o lustre verde que balançava de acordo com o vento. Ora eu via os retratos na parede, ora não. Ora via minha mão procurando um cigarro no bolso, ora não.
Fazia três dias que decidira parar de fumar. Mas agora já não fazia muita diferença, então me deixei tomar pelo desespero da nicotina e da sensualidade trazida pelo cigarro a uma mulher. Não me sentia poderosa naquele momento. Na verdade não sentia nada.
Levantei-me, a esta altura já desistira do cigarro. Fui ao encontro de um retrato na parede com minha caneca roxa na mão. O retrato era meu, lembrava bem daquele dia. Eu, com 17 anos, andava pelo quintal na casa de meu namorado da época, o chão estava cheio defolhas, era outono. Estava sentada em uma cadeira olhando para meu pé, pois algo havia entrado nele. Uma farpa se me lembro bem.
A foto estava limpa, nem um pouco amarelada pelo tempo, com suas respectivas cores. Branco, preto, branco, preto. Sempre foram minhas cores prediletas. Mas agora, depois de tudo, acho que o roxo está presente, mais que a junção de todas as cores e a ausência delas. Minha caneca era roxa. Mas ainda assim havia o café preto dentro dela. E o cigarro branco apagado sobre a mesa, num cinzeiro verde. Era melhor então eu me decidir pelo verde, simplesmente mais fácil. Fazia um tempo que eu optava pelas coisas mais fáceis, mesmo decidindo parar de fumar. A facilidade das coisas deixava minha vida mais simples e fácil de lidar.
Fiquei a observar por uns minutos a foto, a caneca roxa pedia para ser posta de lado. Além de fumar bastante, naquele dia eu já havia tomado também muito café. Podia sentir a cafeína agindo em meu organismo. Dizem que café ajuda a pessoa a viver mais. Não sabia se devia acreditar nisso naquele momento. Estava tão confusa. Confusa, mas conformada, o que me deixava confortada.
Voltei a me sentar, agora em outra cadeira, em frente à antiga. Era uma nova visão. Uma nova maneira de ver as coisas. Talvez eu estivesse exagerando, mas gostava de pensar alto, é bom para o ego.
Encontrava-me no silêncio, no silêncio absoluto. Nenhum barulho, nem o das corujas lá fora, nem do Zeca, sim, o dálmata, nem de música.
Como morava no meio do nada, o chamado Fim do Mundo, sempre havia música. Podia ser o quanto alta eu quisesse. Não havia vizinhos. Amigos sim, mas não vizinhos. Talvez pelo fato de nenhuma pessoa se aconchegar sabendo que mora no Fim do Mundo. Não sei quem deu esse nome, mas não me importava agora e nem tão pouco quando comprei o terreno. Que mal há em morar no Fim do Mundo? É aqui onde são criados os mais belos girassóis que se pode encontrar. Eles são altos e é capaz de crianças se perderem por dentre eles.
À noite, os girassóis amarelos ficam azuis pela luz da lua. Poderia ser chamado de ritual o que eu fazia todas as noites.
Então, levantei da cadeira, já cansada de me sustentar com tantos pensamentos e lembranças, e fui até a porta. Parei em frente, olhei para baixo e pensei por um momento. Levantei a cabeça, respirei fundo e fui para a janela à esquerda da porta. A abri pelo pino já enferrujando. Senti o vendo entrando pelo cômodo fugindo do frio que a noite provocava. Estava ventando muito, meus olhos castanhos escuro encheram-se de lágrimas, mas elas não continuaram seu percurso, simplesmente secando. Afinal, eu não estava triste, ou estava?
Não era um azul bebê, nem marinho, era um azul mais... Como se diz?...Um azul mais confortável. Como o azul de um céu ao anoitecer em pleno verão. Sentia saudades desse azul. Sentia saudades do verão. Mesmo os girassóis ficando um amarelo enjoado. Amarelo era uma cor que eu não simpatizava, estranho plantar então, justamente girassóis. Eles me deixavam alegre, e o amarelo mesmo que eu não gostava, era o enjoado do verão.Minha testa implorava para que eu voltasse o rosto para dentro com o fogo e a franja a aquecendo. Fechei a janela. Passei pela mesa, peguei a caneca roxa e me dirigi a pia. Lavei-a com um sorriso no rosto, então era isso. Não tinha como negar.
Fui até a porta, respirei fundo. Abri a porta. O céu já estava rosado, o horizonte, roxo. Os girassóis já não eram mais o mesmo azul. Comecei a andar, e andar e andar, amarelo aparecia a minha volta, muito amarelo. Zeca, preto e branco, estava atrás de mim, sempre me seguia pelo campo florido, gostava do pólen dos girassóis. Eles o faziam espirrar, sensação que ele gostava de obter.
Cheguei até o fim do campo. Dei um passo e toda a imensidão de amarelo havia sumido. Fui até a árvore com suas folhas verdes de grama e olhei para a escritura no tronco."Jaz aqui Zeca, a junção de todas as cores e amores e a ausência de cores e temores, 17/09/1918."