sábado, janeiro 10

Moça Com Brinco de Plástico (Parte 4)

Era sexta-feira, dia de fazer bolo, caso houvesse os ingredientes.
- Guarda isso que eu to te falando Ela: bater bolo, lavar roupa à mão, carregar peso, subir e descer escada e ainda trabalhar durante a noite toda... Isso é academia de pobre!
- É, mas você está me saindo classe alta, hein?
- Há, mas você sabe, eu já te disse que a sensação de descer é sempre melhor que a de subir, seja de carro, a pé, na montanha russa, a não ser subir de classe social!
- Esse é seu lema de vida, Marina.
As duas passaram à tarde de sexta fazendo bolo e se divertindo da maneira mais possível que duas pessoas pobres têm de se divertir.
Elas ainda teriam que trabalhar naquela noite. Não, elas não tinham folga. Só quando se davam o luxo de folgarem quando quiserem, não tinham cafetão, ninguém mandava nelas nem pedia metade do dinheiro conquistado. Mas elas sabiam que não podiam matar um dia do trabalho, se não, não teriam dinheiro pra comer. Disso, elas sabiam muito bem.


- Me dá um beijo.
Ela foi pra frente e deu um beijo vazio em sua boca.
- Te pedi um beijo e você me deu meio. – disse Bernardo.
Ela foi pra frente e deu um beijo cheio em sua boca.


- Quando você vai mostrar sua casa?
- Por que faria isso?
- Ah, eu gostaria de conhecer, acho que o que estamos tendo aqui não é mais uma questão de apenas clientela. Faz um tempo que não te pago para fazer o que faz e você não reclama. Ou não pensa como eu?
- Não sei o que penso.
- Eu acho que te amo.
Ela não respondeu, simplesmente disse:
- Vira na 13 de Maio e pega a Evaristo da Veiga, moro na Cinelândia.
Ele o fez.
Entraram em sua casa, em oito passos estavam em sua cama, hoje a canga era amarela com almofadas azuis e vermelhas por cima. A parede pintada de vermelho descascava. Um balde no canto esquerdo do quarto denunciava uma goteira.
A partir daquele dia, começaram a fazer amor.
- Só acredito num amor como o de Florentino Ariza e Fermina Daza, que não desiste. – anunciou Ela.
Eles se encontravam cobertos pela canga amarela, ela, com o peito esquerdo de fora. Fazia 15 graus no Rio de Janeiro.
- Isso é García Márquez. Conhece o escritor?
- Conheço.
- Como... ?
- Já devia saber que não sou qualquer puta. Sei tanto quanto é 10 vezes 100 como também conheço os livros de García Márquez.
- É, eu sei. Mas ainda sim levei surpresa. Sabe... Eu não costumava pagar para transar. Você foi minha primeira. Então sempre tive esse pré conceito sobre prostitutas, que todas são analfabetas e que só se interessam por dinheiro.
- Sou diferente.
- Percebi. Mas então, não vai me contar onde conheceu Márquez?
- Herança da minha mãe. Ela amava Gabriel García Márquez.
- Uau, nem minha mãe me deixou livros dele, tive que aprender sozinho.
- Minha mãe era única. Gostava muito de mim. Até que começou a odiar a todos. Enlouqueceu, seus últimos dez anos de vida foram assim, odiando a todos.
O silêncio perdurou na sala. Bernardo não sabia o que dizer, e Ela estava muito perdida em antigas lembranças, até que novamente, quebrou o silêncio:
- O ser humano ama às pressas, mas odeia devagar.
- Márquez também?
- Fonseca.
- Rubem?
- É, gosto dele, pois é simples e fala da gente.
- Da gente quem?
- Da gente: pessoas, amantes, putas.
- Herança de quem esse?
- Da vontade de ler que minha mãe me deixou. Conheci por aí. Já o citei antes pra você. O homem tergiversante... Lembra?
Bernardo estava sorrindo, não acreditava na mulher que tinha a seu lado.
Fizeram amor mais uma vez.

Um comentário:

Sr. Despedaça Corações disse...

13 de Maio com Evaristo da Veiga.
Ah, Vulcão das Massas...