sábado, fevereiro 14

Cabra Cega

A mãe amarra um lenço amarelo em volta dos olhos da criança.
- Vamos brincar de cabra cega. – diz ela.
As duas saem de casa e descem, calmamente, seu caminho. Há pessoas em volta, o chão está molhado. A criança sente que está pisando em algo líquido e tenta tirar a venda. A mãe a impede.
- Mãe, não quero mais brincar. Não quero mais.
- Não minha filha, a gente ainda está brincando...
- Mas não quero mais.
A mãe deixa o laço mais apertado. A leoa segura sua cria com mãos fortes, respiração pesada, carregando o peso da visão no coração. Ela anda mais rápido, e a criança corre para conseguir acompanhá-la. Ela ouve pessoas em volta chorando, outras gritando. Ela também segura um choro. Não chora, pois sabe que a mãe brigaria com ela. Ela continua a sentir algo líquido, viscoso e quente em seus sapatos brancos. Vontade de tirar a venda. Ver o que se encontra em volta dela. Por que elas estavam brincando daquilo?
Quando sente que pararam de descer, ela se acalma. A mãe abaixa, lhe dá um abraço e retira sua venda. A luz do sol cega seus olhos, e com uma careta pergunta à mãe quem havia ganho a brincadeira.
- Você, é claro.
Sorri. Olha para seus sapatinhos brancos e percebe que eles mudaram de cor. Naquele dia, seus sapatos seriam vermelhos.

5 comentários:

Sr. Despedaça Corações disse...

Macabro.
Ironicamente, não tão diferente de algumas faces da vida.

João Medeiros disse...

Onde estah a saudável ironia do sr. D. Corações?
Talvez eu soh seja um nostálgico...

Sr. Despedaça Corações disse...

Eu nunca fui irônico.

(Ah. Olha ela aí.)

maria alice vergueiro disse...

lindo.

Sr. Despedaça Corações disse...

Obrigado.