- O que é amor pra você Ela?
   Ficou em silêncio por um tempo e depois respondeu:
   - Eu penso como se fosse um encaixar de duas pessoas, que são um quebra-cabeça por si só, pequenos pedaços de todas as almas que já viveram, e cada uma, por um momento, viram uma só peça de um quebra-cabeça de duas peças.
   Marina olha para Ela e ri, ri não, gargalha.
   - Qual o problema?!
   - Parece até que você está apaixonada!
   - Não é nada disso, você me perguntou, eu respondi.
   - Então continua com essa baboseira de achar o homem certo? Você é uma puta cara, putas não têm o direito de amar, elas dão o prazer que têm que dar aos homens e pronto, pára de tentar achar formiga no berço de tamanduá. Aqui, onde você tava ontem que não voltou mais pra praça XV?
   - Tava com um cliente ué, você me viu saindo.
   - Você saiu às três da manhã, voltou pra casa às sete.
   - Fiquei com ele o tempo todo.
   - Ganhou uma grana, né?
   - Fiz o completo.
   - E duraram essas horas todas?! Que isso Ela! Ta perdendo a buceta é?
   Ela levantou da cama que dividia com a amiga, cinco passos, chegou à cozinha. Sim, a casa era pequena.
   - Ah... Já sei! Vai fazer o mesmo que fez com aquele cara... Fingir que é só dele, dar tudo o que ele quer, cobrar pouco às vezes, mostrar coisas novas, chupar sem ele pedir... E um belo dia, quando ele estiver confiando em você e te deixar sozinha ao sair para trabalhar, você vai lá e chama nossos amigos para tirar todos os móveis e coisas de valor da casa. Muito esperta, muito esperta. Mas cuidado, vai se tornar conhecido esse golpe, e além de não confiarem na gente, eles vão nos espancar só de imaginar isso.
   - Não tem como isso se tornar conhecido, nenhum homem admitiria ter deixado uma prostituta dormindo em casa enquanto fora trabalhar.
   Com isso Marina calou-se.
   - E não é isso que estou fazendo com esse homem. Não estou fazendo nada! Foi só um cliente, uma noite.
   - Gostou dele, não?
   - Ele é interessante, ele conversou comigo, e me deu elogios dos quais nunca ouvira antes!
   - Grande coisa! Pode ter dado sorte e pego um poeta, e daí? O pau dele fala francês? Vai, me diz, o pau dele fala francês?
   - Não sei! – disse Ela rindo.
   - Ah, porque nós duas sabemos do que a sua bebezinha aí é capaz. E nenhum pau até hoje falou francês contigo.
   Ela pegou uma panela e encheu de água, ligou o fogão e deixou a panela ali, com a água a ferver.
 
   Hoje não havia skatistas. Não sabiam por quê. Elas não queriam saber o porquê. Não se importavam.
   Ela estava chegando à praça pela terceira vez da noite, acabara de ir até a esquina dado a bunda para um açougueiro fedorento, Ela era vegetariana.
   Foi quando um Picasso prata foi andando devagar, ela reconheceu a silhueta do motorista e foi até ele.
   - Estava passando por aqui para pegar o caminho de casa e... Resolvi desacelerar um pouco... Sabe... Estava apenas indo pra casa.
   - Um homem tergiversante é pior do que um homem mentiroso.
   - Onde consegue dizer palavras tão... Ah esquece.
   - Tão o que? Vamos, diga!
   - Não, esquece.
   - Tão sofisticadas? Ah, nem todas as putas são analfabetas, algumas aprenderam a escrever e ler, e até a ter um bom vocabulário.
   - Muito poucas, se me permite dizer. – disse o homem envergonhado.
   - Sou rara. Meu nome é Ela.
   - Isso não te torna rara, seu nome significa que você é “ela” e mais outras, como se alguém tivesse posto esse nome em você por não saber o verdadeiro nome.
   Nesse momento Ela se calou, não queria mais conversar sobre a origem do seu nome.
   - Entre no carro.
   - Pra quê? Pra você continuar fazendo perguntas do meu passado e me fazer desmoronar moralmente?
   - Não, para podermos conversar em paz em outro lugar. Um lugar mais calmo.
   - Mais calmo que a praça XV em uma quarta-feira em plenas duas horas da manhã?
   - Sem que uma porta de carro nos separe.
   Ela entrou no carro. E sem dizer mais uma palavra seguiram caminho ao mesmo hotel. Lá, aconteceram coisas muito diferentes do que acontecia tanto a Ela quanto ao homem. Ao final, Ela acendeu um cigarro.
   - Não sabia que fumava.
   - Te incomodas?
   - Não, de modo algum, me dê um trago. Amei gozar com você fazendo... Aquilo.
   - O gozo é um acidente de percurso, não o valorize.
   - Como, justamente você, não o valoriza?
   - Me sinto fazendo mais meu trabalho se vocês têm prazer antes e depois do gozo, não só durante, ele dura segundos, preciso dar mais prazer do que em apenas segundos.
   - É, mas de que adianta dar prazeres diversos se os clientes não gozarem? Afinal, não é isso que procuram? Além do dinheiro, é claro. Alguém que os faça gozar o mais rapidamente possível para seguirem com suas vidas apressadas?
   - É isso que procura?
   - Eu? Não... Gosto desse seu método, não quero nada rápido, gosto de passar a noite toda ao seu lado.
   - Bom saber, quanto aos apressados, dou o que eles querem, afinal estou sendo paga pra isso. Não vai nunca me dizer teu nome?
   - Bernardo.
   - Tenho que ir.
   - Mas já?
   - Tenho que ir.
   - Mas ontem a gente ficou até amanhecer juntos.
   - Ontem não é hoje.
   - Mas por que essa pressa toda?
   - Tenho que ir.
   - Te dou uma carona, vai voltar pra praça? É isso?
   - Não, vou sozinha.
   Sem mais explicações, Ela já estava vestida e saía porta afora. Não voltou para a praça para obter mais lucros, e sim, foi para casa. Abriu a porta, deu oito passos, se jogou na cama, se cobriu com a canga azul que servia de colcha e chorou, chorou até adormecer. Naquela noite Ela sonhara com seu bebê.
quinta-feira, dezembro 11
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3 comentários:
Há qualquer coisa de perturbador em sorrir sem razão.
Ela é clara?
Clara é ela?
Ela não é Clara.
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